Elza Freire A. L.
É necessário aprender a dialogar? Sim. O objetivo de aprender a dialogar tem seu foco vinculado à participação em todas as esferas da vida. No desenvolvimento pessoal, profissional e na transformação comportamental potencializada pelas atitudes criativas e produtivas das relações interpessoais.
Na abordagem sobre a comunicação destaca-se a estrutura básica do diálogo, tal como a apresentam vários autores consultados, firmada em quatro capacidades fundamentais e necessárias. Estas capacidades são: a suspensão do julgamento precipitado, o escutar, a identificação e suspensão das próprias convicções, o perguntar e refletir (1).
Aprender a dialogar passa pela proposta de desenvolvimento destas capacidades, o que normalmente gera questionamentos justificáveis conforme coloca Bohm, nas suas teorias, quando esclarece ser a mente humana julgadora por natureza, o que dificulta suprimir o julgamento ou juízo no momento do diálogo.
Necessário então se faz recorrer à teoria deste autor para esclarecer sobre o processo de formação de uma espécie de “banco de dados”, construído ao longo da vida pelos registros dos atos e experiências vividos por cada ser humano. A cada vez que a percepção de algo novo nos acontece, esse dado novo é submetido aos juízos já armazenados na nossa memória. Desta forma, a nova percepção é filtrada através dos registros guardados que respondem às situações do presente, porém baseados em experiências do passado, as quais nem sempre são revistas conscientemente por cada pessoa.
Assim, reafirma-se a função julgadora da mente humana, mas apontando-se em direção à possibilidade de atualização constante do “banco de dados” referido, o que se dá através do exercício de suspensão do julgamento precipitado nas situações de diálogo.
A informação acumulada neste “banco” é parte da pessoa, trazendo a ela vantagens e desvantagens. A vantagem de poder usá-la com rapidez quando necessário, sem parar para pensar de forma detalhada no algo implicado daquele momento. E, a desvantagem trazida por uma resposta automática, baseada na informação acumulada ao longo da vida. Tal resposta, normalmente não cria novas perspectivas. Ou seja, não permite revisar ou atualizar o banco de dados formado com os novos significados surgidos no colóquio. Suspender o julgamento precipitado durante o diálogo é procurar ser consciente da forma como se pensa, se formam as crenças, atitudes e condutas que fazem parte de nós mesmos. Além disso, adquirir esta capacidade para o diálogo é desacelerar a mente para permitir-se descobrir novos significados e perceber os pontos de vistas dos outros. Afirma-se ser esta a chave para criar um clima de confiança e segurança, durante o diálogo, já que as pessoas percebem não estarem sendo julgadas. Portanto, havendo a possibilidade de escutar sem julgar precipitadamente com foco no que “é certo” ou o que “é errado”, faz com que o ambiente se torne aberto e honesto favorecendo a uma nova compreensão.
Sobre a capacidade de escutar, dar-se relevo à essencialidade desta atitude. É ela a matriz geradora do diálogo. Destaca-se que na verdade, as quatro capacidades em questão desencadeiam-se após a escuta, pois escutar, requer antes de tudo muita disposição e ânimo.
O escutar em diálogo como mais exatamente “prestar atenção” é um escutar não se referindo unicamente a ouvir algo, mas a estar em sintonia através dos cinco sentidos, além da intuição. A obtenção desta capacidade é essencial para afinar a sensibilidade e compreender que as próprias crenças pessoais e suposições afetam o escutar.
O domínio desta capacidade está em focalizar a atenção, deixando de lado as convicções, esvaziando a mente de preconceitos, abrindo-se à retro-alimentação e à criação de um espaço para a aceitação e validação do argumento do outro, conforme ressalvam outras teorias (2) ao demonstrarem em essência o poder transformador de uma conversa.
Sobre o identificar e suspender as convicções durante o diálogo, parte-se do princípio da impossibilidade de esvaziar o conteúdo da própria memória sem negar o valor das experiências vividas. Enfatiza-se que estas últimas produzem normalmente as convicções ou pareceres sobre algo, chamando-se atenção para os condicionamentos criados por elas, os quais normalmente passam por alto quando em impasses ou em resoluções de problemas. Destaca-se que quando utilizamos formas de expressões tais quais: “isto é assim”, “indiscutivelmente esta música é boa”, colocadas como indícios de convicções, fechamos a possibilidade de aprendizagem e geralmente deterioramos as relações.
O perguntar e refletir devem ser direcionados para: perguntar, como uma solicitação de informação e refletir como o fazer uma investigação sistemática. Em um diálogo verdadeiro o perguntar e o refletir assumem o formato de uma espiral de entendimento, criatividade e desenvolvimento em sentido ascendente e compartilhado.
Há necessidade de atentar para a construção de perguntas abertas, as quais requerem a elaboração de quem as faz e requer respostas que não se reduzem a um sim ou um não de quem responde. Ex: O que você pensa sobre isto…? O que aconteceria se…?
Um auxiliar muito poderoso na prática de exercitação das quatro capacidades é refletir sobre que atitudes facilitam e que atitudes dificultam o diálogo. Exercitá-las tem o propósito de buscar um nível mais profundo de conscientização e destacar que para desenvolver o bom relacionamento interpessoal, o trabalho harmonioso integrado e em grupo, temos que obter o instrumento para a participação, sem dúvida, o DIÁLOGO.
RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA DO DIÁLOGO NA BAHIA
A experiência obtida com a realização deste trabalho foi gratificante em todos sentidos.
Pela possibilidade de estar inserida no grupo da pesquisa dando continuidade a uma busca de transformação do meu padrão de ação, perseguindo a meta de participação mútua entre consciência e percepção.
Por poder provocar o autoconhecimento entre pessoas que vivenciavam seu dia a dia, submetidas a um processo de má comunicação. Sobretudo, pelo resultado advindo da experiência, fazendo crer nas razões que levam à necessidade de aprender e praticar incessantemente o diálogo. O grupo experimental do diálogo foi composto por 12 técnicos do laboratório da empresa onde a investigadora participava como pesquisadora e gestora. O estudo se deu através de um exercício sistemático de aprendizagem do diálogo estabelecido na frequência de uma hora semanal, durante um ano consecutivo. O resultado global da experiência repercute através das falas de alguns participantes, como também do relato conclusivo sobre a investigação:
“..no decorrer da experiência do trabalho do diálogo, um dos sentimentos que mais se intensificou em mim foi o da compreensão, simplesmente através do ‘escutar’ pois, através disso pude rever velhos preconceitos sobre algumas situações e principalmente sobre as pessoas, não só as com quem trabalho e sim com todas que participam de minha vida.” (Participante I).
“Uma mudança em mim foi o aprendizado de ouvir o que as pessoas pensam e me colocar no lugar do outro. Inclusive isto tem feito diminuir os meus conflitos tanto aqui como lá fora. “ (Participante L).
“No início o clima era muito hostil. Algumas pessoas não conseguiam trocar duas palavrinhas. Não se podia perder um segundo para escutar a opinião de quem não se gostava. ‘Não valia a pena’. A desconfiança era clara, explícita e fechada à mudança do contexto. Aos poucos o clima foi se modificando. O não cumprimento de algumas regras propostas para o exercício do diálogo resultava em intervenções bem humoradas que quebravam o gelo, em lugar de uma possível advertência verbal mais rígida. Com a maior freqüência do trabalho o respeito mútuo passou do sarcasmo e da ironia para o respeito e atenção à necessidade de conviver com a diferença. Hoje, a troca de informações é bem maior, as pessoas conseguem conviver com as opiniões diferentes. São mais educadas e cordiais, bem menos propensas a ironias e um pouco mais à vontade para mostrar o que realmente são. (Participante D).
O estudo considerou que o diálogo é e será sempre uma aprendizagem contínua. Trabalhos realizados em curtos espaços de tempo, em se tratando do elemento humano, correm o risco de dissipar melhoras significativas e retornar aos moldes antigos de interações.
Se nosso imperativo é desenvolver-nos, renunciamos a nosso egoísmo e sentido de posse e abarcamos contextos cada vez amplos em nossa consciência – o outro, os outros, todos os outros, os povos, a Terra, o Cosmos.
(1) David Bohm, e Edwards -1991, e Bohm – 1997) | ( 2) BEAVIN,1985; ELINOR; GERARD, 1998; FRITZEN, 2002 | Material extraído e adaptado pela autora de: FREIRE, Elza. A. L. O aprendizado do diálogo como processo facilitador das relações interpessoais nas organizações: pesquisa-ação em grupo experimental em uma empresa petroquímica. 153f. 2004. Dissertação (Mestrado em Administração Estratégica)– Universidade Salvador – Unifacs, Salvador, 2004.