A mística do coração

José de Jesus Sevilla

As motivações não expressas, na maioria das vezes, são as que determinam as atitudes dos homens.

A história tem sido feita por atos humanos, cujas motivações são difíceis de serem detectadas. Por exemplo, tanto nas vidas heróicas, como a de Jesus,

a de Gandhi e a de Sócrates, que contribuíram para o desenvolvimento humano, quanto nas que geraram dor e atrocidades, como a de Atila, Hitler e Mussolini, não foram os raciocínios pensados e meditados, logicamente, que comandaram o curso de suas histórias…nem na vida dos seres humanos, isoladamente, isso acontece.

Observa-se que o amor expansivo de grandes seres ou a megalomania ou o delírio de poder tem pautado o caminho do homem… Isto envolve considerar o processo de desenvolvimento humano como um programa que deve ser olhado em duas dimensões, nos limites da sobrevivência humana como espécie animal e como espécie cósmica. O programa do processo humano, dentro dos limites de sobrevivência como espécie animal, pode muito bem ser monitorado por mecanismos sumamente sofisticados e perfeitos de instintos, que compartilhamos com as outras espécies de animais. Não seria diferente, mesmo quando pudéssemos enfeitar todos os processos instintivos com poesias, flores, ritos, etc. Isso nos garantiria a sobrevivência da espécie neste planeta.

Já o programa do processo humano, como espécie cósmica, extrapola os limites dos instintos e entra em outra categoria que mal podemos catalogar, por não termos elementos de comparação. Alguns exemplos, como Cristo, Budha e Gandhi podem evidenciar a existência de um processo humano como espécie cósmica, que vai mais além dos limites biológicos de sobrevivência. As religiões transformaram cada um deles em deuses ou semi-deuses, de forma que as suas pegadas fossem tão fortes que marcassem um caminho a seguir, mais além do próprio instinto. Isso tem dado sustentação para muitos seres, para poderem realizar parte do processo de desenvolvimento cósmico possível neste nosso sistema… e, seguramente, seguirão como exemplos para muito outros.

Entretanto, hoje, nós queremos mais do que exemplos a seguir. O anseio de liberdade nos confunde, levando-nos muitas vezes a fazer o oposto do que esses exemplos nos pedem. De que forma, então, alguém pode se orientar neste mundo de contradições?

Esses grandes seres, engrenagens principais do sistema da vida dos homens, provavelmente foram inspirados pelos deuses… (ou será o oposto?). Porém nós, seres humanos comuns, como podemos orientar-nos para que nossas escolhas de vida sejam as “certas”? A busca de um caminho ou de uma direção pode ser uma resposta para esta questão. A doutrina de Cafh, por exemplo, pode nos dar um caminho para que nossas motivações interiores nos levem em direção de um processo de desenvolvimento individual e, consequentemente, em direção ao desenvolvimento de toda o humanidade. Essa doutrina baseia-se em uma ascética-mística: a Ascética da Renúncia e a Mística do Coração.

Da ascética e da lei da Renúncia já falamos no número* anterior de nossa revista. Não obstante, seria difícil falar da Mística do Coração sem nos remetermos à idéia da Renúncia. Porque ambas estão intimamente interligadas. A Ascética da Renúncia é o caminho por onde se transita, e a Mística do Coração é a motivação fundamental que permite que esse caminhar esteja inserido na vida e seja em proveito de nosso desenvolvimento e do adiantamento de toda a humanidade. Em outras palavras, interpretamos a expressão Mística do Coração como aquela motivação interior que nos induz a caminhar na direção do amor a todos os seres, da oferenda incondicional ao processo de desenvolvimento… isto é, na orientação certa. Embora a Ascética da Renúncia e a Mística do Coração sejam as bases da doutrina de Cafh, isso não significa que sejam seu patrimônio exclusivo.

A Ascética da Renúncia tem como fundamento a Lei da Renúncia, que se expressa em todo o criado… e a Mística do Coração tem como fundamento o amor, que se expressa de uma ou outra forma em todos os seres humanos. Mas podemos dizer que como caminho de desenvolvimento Cafh flui na Lei da Renúncia e, como vocação, dos que seguem por este caminho, expressa a Mística do Coração em uma doação de amor por todos os seres e na busca de união com o divino, a força cósmica a que denominamos “Divina Mãe”. A ideia de “não ganhar nada, não ter nada, não ser nada…” implica atitudes muito fortes e sem respaldo “lógico”, no marco de mentalidade ocidental moderna vigente. Poderiam ser até consideradas atitudes suicidas ou geradoras de desequilíbrios se não estivessem fundamentadas, motivadas por algo tão certo e indubitável como é o instinto, porém com uma finalidade bem mais expansiva que a da sobrevivência.

Isso que chamamos de “tão certo e indubitável” é o sentir interior, esvaziado de interesses egoístas. Esvaziamento esse que é propiciado pela própria renúncia. Surge assim com força inusitada a nossa própria vocação de desenvolvimento, que tem como caminho a Renúncia e como força interior a motivação fundamental que parte do nosso centro interior, o coração, e nos impele para a união com todas as almas e com todos os seres, a Mística do Coração. Começa o Caminho em direção ao Desconhecido… para descobrirmos, porém, que esse desconhecido é tão somente Deus mesmo, e não algo misterioso e longínquo, miraculoso e inalcançável (ou apenas atingível ao preço de martírios ou quaisquer outros preços fora de nós mesmos).

Ao final, descobrimos que esse Desconhecido somos nós mesmos, como uma alma, um foco individual, uma entidade. E essa descoberta nos abre uma porta não sonhada, a porta para a consciência de nós mesmos… Algo sucede dentro desse processo, também inesperado: como numa espiral que atinge seu ápice, subindo pelas paredes dum cone, ao chegar à cúspide de suas paredes, de pronto entra nas paredes de outro que se une a ele em forma invertida, entrando em um âmbito cada vez mais amplo de amor e de consciência, a partir de si mesmo, abrangendo todo o universo.

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