Eu, aqui e agora

José M. Cascão Costa

“Não temos fundamentos para pensar que nossa relação com Deus possa ser melhor do que a que temos entre nós. A mística que podemos experimentar não pode ser de uma

natureza diferente da relação que temos com a humanidade da qual somos parte.” (Jorge Waxemberg)

No livro “Deus – Um Delírio” o autor Richard Dawkins, um polêmico biólogo e ateu convicto, chama a atenção para a irracionalidade de se acreditar em Deus e para os danos que as diversas

religiões já causaram à humanidade. Seu objetivo, mais do que contestar a existência de Deus, parece ser o de convocar os ateus para que assumam sua condição com orgulho, claro, mas também provocar os religiosos, os não religiosos e os “religiosos por inércia”, levando-os a pensar racionalmente e tentando convencê-los a trocar a sua crença pelo ateísmo e pela ciência.

Sem querer estabelecer polêmica em torno do assunto – se Deus existe ou não – aliás, uma discussão inócua, uma coisa é certa: “a ideia de Deus é inalcançável para a mente do homem atual”, como nos diz uma das ensinanças de Cafh. Portanto, se temos alguma pretensão de contestar as ideias de Dawkins ou afirmar a nossa ‘fé’ em Deus, o recurso mais prático e eficaz e também a forma mais coerente de fazê-lo é procurando “viver a mística na vida diária”.

E já que Dawkins propõe a ciência como alternativa, façamos da vida nosso grande laboratório e de cada um de nós, ao mesmo tempo, o cientista e o próprio objeto de estudo.

Se acordarmos todos os dias dispostos a estudar nossa natureza e permanecermos atentos às experiências, observando as nossas reações, sem preconceitos, justificativas e outros mecanismos de defesa, com certeza descobriremos muito sobre nós mesmos e os demais.

Observemos, por exemplo, a maneira como vivemos e os benefícios ou os prejuízos que provocamos sobre o ambiente e as pessoas com as quais nos relacionamos. Validamos ou criticamos? Construímos ou destruímos? Acreditamos mais no discurso ou na prática? Baseamos nossas decisões no interesse individual ou no bem comum? Promovemos a discórdia ou a harmonia? Com base nesses efeitos, que podemos chamar de “feedback da vida” teremos uma ideia clara e incontestável do nível da relação que temos conosco, com o meio e com os demais.

Essa auto-observação honesta e sem reservas, essa tomada de consciência, terminará com a ilusão que possamos ter a respeito de nós mesmos, de nossa realidade, do que somos. Mas nos mostrará também as possibilidades que temos de desenvolver-nos. A partir daí, resta-nos responder de forma consequente e com coerência entre o pensar, o sentir e o agir, ou permanecer dormentes, movendo-nos por inércia ou, pior, sendo simplesmente empurrados pela vida.

Se escolhermos a via do desenvolvimento, teremos de compreender que a “vida espiritual” ou a “vida interior” é a vida mesma, essa de todos os dias, e não um sonho distante ou algo que se situa no âmbito do sobrenatural, do transcendental.

Portanto, conhecer-se, respeitar a si mesmo e aos demais, aceitar as diferenças, compartilhar visões, incluir e validar, priorizar o bem comum, rever valores, cultivar ideais, elevar o nível das relações – tudo isso partindo de nós mesmos, do que somos, aqui e agora – é a forma segura de nos sentirmos unidos à humanidade e, portanto, a Deus, à Unidade, à Força, à Razão, ao Princípio, à Ciência, ou seja lá o nome que cada um queira lhe atribuir.

Caso contrário, nossa mística, nossa relação com Deus, será uma negação da realidade, da nossa responsabilidade por essa realidade, uma abstracionismo, um sonho… um delírio, como quer Dawkins.

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