Um dia na Comunidade de Cafh em Campos do Jordão – SP

Em Cafh, as pessoas que se sentem atraídas pela vida espiritual e estão dispostas a renunciar a si mesmas, a viver em prol de suas vocações e a compartilhar seu desenvolvimento e ideal com outras almas de igual interesse, podem escolher viver em Comunidade.

A proximidade dos membros de Cafh com as Comunidades é grande porque é nestes locais, em Brasília e em Campos do Jordão, que são realizados os retiros anuais dos grupos de Cafh. Assim, conviver com pessoas que escolheram livremente dedicar-se a um trabalho interior intenso é um momento de grande reflexão e aprendizado para todos.

Entretanto, como ainda estamos limitados em nosso entendimento e restritos a um estado de consciência que não admite posturas opostas às nossas, consideramos a opção por uma vida em comunidade algo surpreendente, algo além da nossa compreensão, algo inalcançável. Dom Santiago, em uma de suas ensinanças já dizia que um ser que escolheu viver em comunidade é visto como se não pertencesse a este mundo. E explicava que “as pessoas de vida comunitária não podem estar ao alcance dos outros homens, porque não vivem, senão que vivem espiritualmente. Bem disse São Paulo: ‘já não sou eu quem vive, mas Cristo que vive em mim’.

“Esta transformação do ser se alcança através de um processo lento e continuado, se bem que totalmente real, e a pessoa há de empenhar todas as suas forças para pôr-se a esta altura.

O viver dos homens, mais físico do que espiritual, deu-lhes um mundo pesado e materialista; mas os que se esforçam para viver uma vida integral, em harmonia com os valores físicos e espirituais, construirão ao seu redor um mundo novo, um mundo espiritual. O ser que alcançou a compreensão plena deste conceito interior de vida espiritual conseguiu a plenitude de sua divina vocação.”

Talvez por isso, durante muito tempo, as pessoas que tinham contato com as Comunidades de Cafh vissem seus membros como intocáveis.

Falando especificamente da comunidade feminina de Cafh, em Campos do Jordão, o distanciamento impedia a troca de experiências e o aprofundamento sobre suas atividades, sua rotina e modo de vida.

Perguntando para minha sócia, que convive comigo há dez anos, o que ela pensa sobre as senhoras que vivem na Comunidade, sempre que conto da fábrica de alfajores e dos retiros que realizamos em Campos, ela respondeu-me assim:

“Acho que elas são umas velhinhas lindas que ficam lá rezando, cuidando da horta, jogando milho para os gansos, fazendo os doces no fogão a lenha”.

Bem, eu acho que esta visão não é só dela, deve ser de muita gente que nos ouve falar das senhoras da Comunidade com tanta devoção e apreço, como se elas não existissem de verdade e a Comunidade fosse um lugar mágico, um Shangrilá em terra firme, a 230 quilômetros da capital paulista.

Para entender melhor como é a vida numa Comunidade, acompanhamos durante 24 horas a rotina no Sítio Cruzeiro do Sul, no Bairro dos Mellos – na Estrada Velha de Campos do Jordão, onde fica a Comunidade Feminina de Cafh. O que vimos acaba com qualquer mito sobe o que é vida reclusa.

Saí de São Paulo de ônibus, às 5 da manhã, disposta a chegar bem cedo à Comunidade e me entrosar com as atividades do dia. A proposta era que eu fosse uma sombra a observar a realização das tarefas, sem atrapalhar a concentração ou o recolhimento das senhoras da Comunidade. Depois de 18 anos em Cafh, confesso que não achei esta tarefa muito fácil, mas me preparei para a missão pensando em ver tudo com olhos novos, olhos de quem acabou de chegar, como visitante, como se não conhecesse nada sobre elas.

E realmente eu não conhecia!

Minha surpresa começou logo na rodoviária ao ser recebida pelo “seu” Guimarães, motorista de táxi que costuma atender a Comunidade que fica distante do centro de Campos doze quilômetros. Muito simpático, foi me cercando para saber até que ponto eu conhecia “as freiras”.

Certo de que eu não era marinheira de primeira viagem, foi logo me contando que elas são maravilhosas, que levam o sítio nas costas, que a cidade toda admira os doces “Das Senhoritas” da Comunidade, etc, etc, etc. Coisas típicas do interior, pensei.

Na Comunidade, Beatriz já me aguardava. E para quem pensava, como eu, que às nove da manhã iria abrir as atividades do dia, soube que todas já haviam levantado às seis; às sete já haviam arrumado seus aposentos, se retirado para as orações e a meditação e também já tinham tomado café. Bem, só me restou seguir dali direto para a fábrica de doces. Lá, um delicioso café com bolachinhas me foi oferecido pela Sra. Edísia e uma agradável conversa foi revelando pessoas que eu não pensei que existissem.

“A Comunidade de Campos é um pouco diferente das outras comunidades de Cafh e até de outros caminhos espirituais, porque a loja nos permite contato direto com o público”, começa dizendo Beatriz, afirmando que a presença de visitantes estimula um diálogo interessante sobre o caminho espiritual e as suas atividades como produtoras de doces.

“Não são poucos os que se interessam em saber mais sobre Cafh, conhecendo nossa loja e olhando tudo em volta. Há um grande interesse em saber como vivemos nesta imensidão, com tantos cachorros, gansos e tudo limpinho, organizado, em paz” conta Edisia. “Só que dá um trabalhão manter tudo isso assim, apressa-se em dizer Beatriz, lembrando que a ordem exterior do lugar deve-se muito à ordem que cada uma procura manter em seu interior.

Embora sejam hoje em menor número do que no passado, a qualidade de sua vida interior ajuda a superar todos os limites. São mulheres de idades, culturas, formação e origens diferentes, mas com um único ideal: desenvolver-se e compartilhar significados.

O compromisso de vivenciar a vocação, o desenvolvimento e renunciar a si mesmas é uma das tarefas que elas executam, paralelamente à administração do sítio, do canil, da Obra Social e da fábrica de doces. Nem eu mesma sabia que todas estas atividades eram parte de um desafio que inclui negociação com bancos, fornecedores, pagamento de contas, compras, desenvolvimento de novos parceiros comerciais, enfim, um dia a dia comum na vida de qualquer pequeno empresário.

Mas o diferente na Comunidade é como essas atividades são feitas. “O nosso desafio é como o de qualquer família”, comenta dona Esther, dizendo que apesar do celibato e da ausência de filhos, a responsabilidade pelo grupo é a prática da própria mística diária, vivendo conscientes da vida que escolheram.

“Vivemos como qualquer família, respondendo pelas atividades e pelo respeito com todos os membros da casa, trabalhando em equipe, assumindo responsabilidades individuais e plenas em unidade com a Divina Mãe”, afirma Esther.

A conversa se desenrolava gostosa quando eu mesma percebi que devia estar atrapalhando alguma atividade e sugeri que elas fossem cuidar de seus afazeres enquanto eu “vigiaria” para registrar depois na revista.

“Então vamos à fábrica terminar de montar umas caixinhas de doces”, disse Beatriz, enquanto Edísia, Esther, Meiry e Rosana se dividiram em providenciar o almoço, prender os cachorros para privá-los do sol do meio-dia, dar comida aos gansos, pegar verduras na horta, atender o telefone, entregar doces na cidade, imprimir etiquetas para as embalagens de alfajores, inventar uma nova receita de biscoitos, meditar, estudar…

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