Gabriel Prosser: um sonho de liberdade

Marilda Clareth

Era uma vez, há muito tempo atrás, um ser muito especial. Não era um príncipe, um rei ou um personagem de contos de fadas. A sua história é bonita, linda, encantadora porque sai do limite de um universo pessoal, centrado em sua própria

existência. O amor fez com que a sua história rompesse limites, fronteiras, abrindo assim novas possibilidades para todos os seres humanos.

Vamos então contar. Começa assim: em um país muito distante, por volta de 1776, em uma bela fazenda, nascia uma criança. Um lindo menino… aliás toda criança traz em si uma beleza indescritível. Seus olhos cintilavam, cintilavam tanto, tanto que se confundiam com as brilhantes estrelas, na imensidão da noite escura. A luz de seu olhar se irradiava e iluminava a escuridão mais densa da noite e da simples cabana onde nascera.

Era, realmente, um menino cujos olhos brilhavam como pequenas estrelas no infinito céu, reluzentes pérolas perdidas no imenso oceano da existência. Não se podia imaginar o caminho que teria que percorrer. Guardava em si a inocência, a pureza, a grandeza, a divindade que ilumina a vida de qualquer ser humano… Mas por ironia ou por mistério, esta criança nascera escrava. Filho de africanos, trazia na alma e no corpo a herança cravada em sua terra, a mãe África, berço da humanidade, transformada em continente de dor, miséria, da diáspora negra. Criancinha ainda, não sabia de seu destino, da missão que teria de cumprir. Nascera escravo, na fazenda do Sr. Prosser, seu dono, o seu proprietário.

Mas, apesar destas circunstâncias, tornara-se um jovem belo e altivo e desde muito cedo descobriu e acalentou em si um sonho divino. Pode-se dizer que vislumbrou e deixou, sem nenhuma resistência, habitar em seu coração uma luz, vocação de amor, que brilhava, ocultamente, no mais íntimo de seu coração. Um anseio interior de todos os seres humanos. Ele deixou despertar e crescer, em seu coração, essa chama, esse sonho encantador que nascera, talvez, da dor de ser negro e de estar escravo…

Um sonho de rei, de príncipe, de escravo ou de todo ser humano? Talvez um ideal, cuja chama tivesse se acendido, por graça divina, para criar a capacidade de transformar a dor em sacrifício, ensinança, possibilidade de transcendência. Sonho nascido, então, a partir de uma fagulha de amor, de uma inquietude, de uma dor indizível ou de um encantamento que guia a existência humana, desde o primeiro momento primordial, o instante em que surgira a primeira manifestação de vida consciente, na face do universo. Talvez este mesmo sonho tenha nascido, quando pela primeira vez o pulsar da vida no cosmo foi percebido.

A realeza do sonho deste jovem, certamente, traduzia uma necessidade ou uma força que se movimenta em direção a um encontro ou a uma busca de transcendência, de união divina.

Não, não era uma fantasia ou uma alucinação. Era um hino de esperança, uma sinfonia cuja harmonia congregava em si o destino da humanidade. A melodia desta sinfonia constituía a alma da vida, porque era entoada por todas as vozes e por todos os silêncios que se interligavam no processo de construção, explosão e evolução da existência.

Neste hino, predominava um ritmo especial, a expressão da vida em sua diversidade, a grandeza de ser e de elevar todos os seres vivos que celebravam e concretizavam a interdependência, a unidade essencial… era o anseio profundo de criar em si um caminho ou uma possibilidade de divinizar a existência e romper elos da corrente do egoísmo, da dor e do sofrimento humano. Uma tarefa árdua, que exigia renúncia e doação de si mesmo para dar mais um passo no caminho já aberto e percorrido por grandes seres há milênios e milênios. Era um sonho de liberdade.E o jovem sonhador chamava-se Gabriel Prosser.

Nome e sonho de anjo, uma história simples, difícil, com possibilidades, limitações e conflitos inerentes à condição humana. O escravo Gabriel Prosser não imaginava o caminho que teria de percorrer. A liberdade, na mente de um negro escravo, poderia ser uma condenação. Mas a dor de conviver com correntes que aprisionam fez com o escravo escrevesse a história que resumimos a seguir.

Nascido em 1776, Gabriel Prosser foi um escravo americano que planejou e liderou a primeira e, talvez, uma das principais rebeliões de escravos da história dos EUA. Filho de africana, Gabriel cresceu como um escravo de Thomas H. Prosser. Era um homem profundamente religioso, uma figura imponente, muito alto, corajoso e inteligente.

Ao contrário de muitos escravos, fora educado em sua juventude e aprendeu o ofício de ferreiro, o que lhe permitiu trabalhar também fora da plantação para ganhar algum dinheiro, após pagar uma parcela, impostos, aos seus mestres. Nesta época, os comerciantes brancos controlavam o fluxo de bens dentro e fora da cidade, exigindo que os escravos hábeis cobrassem preços muitos baixos pelos trabalhos que faziam. Os mestres, no entanto, continuavam a cobrar dos escravos uma taxa alta pelos serviços prestados. Este sistema de exploração estimulava a revolta dos escravos.

Em 1800, inspirado por um exemplo bíblico, a libertação do povo de Israel, Prosser e outros escravos planejaram uma rebelião com o objetivo de criar um estado negro independente, após matar todos os brancos, exceto os franceses, os metodistas, os Quarkers e os pobres.

Na noite de 30 de agosto de 1800, seria o início da rebelião, comandada por Prosser. O exército de escravos já estava pronto. Acredita-se que o seu exército era formado por mais de 10.000 escravos. Mas, neste dia, uma chuva torrencial, uma terrível tempestade de trovões impediu a batalha. Pontes desabadas, exército dispersado, ruas intransponíveis.

A conspiração foi adiada para o dia seguinte, 31 de agosto. Porém, traído por dois escravos, Prosser viu seus planos fracassarem. Prosser e trinta escravos foram capturados e executados. Conta-se que ofereceram uma recompensa de U$300 pela cabeça de Prosser.

Morreu enforcado, no dia 07 de outubro de 1800. Por suas mãos ou sob sua liderança não houve derramamento de sangue. Parece que foi uma dádiva divina a chuva, a mudança dos planos de Prosser.

Em 1860, a abolição da escravidão era uma realidade nos EUA. O ideal de liberdade permaneceu vivo. Prosser viveu a sua vocação e hoje é lembrado e amado como um sonhador, um líder, um protetor, um anjo da guarda…

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