Pegar e largar, com a mesma liberdade

Ao refletir sobre o apego – ou o desapego, o que dá na mesma – me vieram à mente duas historinhas, uma factual, curiosa, e outra simbólica, mas também muito significativa.

Dizem que numa certa região da África os nativos têm uma maneira peculiar de caçar macacos: eles colocam alguns amendoins dentro de uma cabaça (espécie de cumbuca fechada), onde o macaquinho consegue enfiar a mão aberta para pegar a comida, mas não consegue tirá-la depois que ele pegou os amendoins e está com a mão fechada. Como se recusa a largar a comida, vira uma presa fácil.

A outra historia conta que dois monges budistas viajavam juntos, quando chegaram às margens de um rio que transbordara por causa de uma enchente. Encontraram uma linda jovem, muito atraente e bem vestida, que lhes pediu que a ajudassem a atravessar para a outra margem, pois não queria estragar suas lindas roupas. Um dos monges ofereceu-se para carregar a jovem, pegou-a no colo e alguns minutos depois a deixou segura, do outro lado do rio. Os dois seguiram viagem em silêncio até que outro monge começou a se queixar e a censurar o companheiro:

– Como você pôde carregar uma mulher em seu colo, principalmente uma jovem tão bonita e atraente, isso não está certo, o contato íntimo com pessoa de outro sexo é contra nossos preceitos. Como pode violar as regras de um monge?

O que carregara a jovem ficou em silêncio por alguns minutos, e depois disse:
– Bem, eu a ajudei a atravessar e a deixei lá perto do rio, mas pelo que vejo você ainda a está carregando.

Tanto o macaquinho apegado a seus amendoins quanto o monge apegado a seus pensamentos, ilustram o quanto podemos ficar aprisionados pelas circunstâncias, sejam elas materiais ou emocionais.

Em geral é isso que somos: vitimas de nós mesmos, quando estamos possuídos por aquilo que julgamos possuir, sejam bens materiais, afetos, pensamentos, sentimentos e tudo mais que nos impede de ser livres.

Sim, o apego nos impede de ser livres. Por quê Cristo, Buda, Ghandi, São Francisco e tantos outros largaram tudo para trás e seguiram unicamente o chamado de sua vocação? Não foi porque ignorassem ou quisessem negar o valor das coisas, dos amigos, da família, mas porque sabiam que enquanto não matassem os seus quereres, os seus desejos de ter e de ser, estariam irremediavelmente acorrentados às circunstâncias.

Portanto, se queremos ser verdadeiramente livres e felizes, precisamos aprender a pegar e largar com a mesma naturalidade. A trabalhar como se fôssemos os seres mais ambiciosos e avarentos, mas com liberdade interior para fazer o que julgamos ser o certo e o melhor para todos, sem ficar “pendurados” nos resultados ou com medo de “perder” o que conquistamos. O pior inimigo numa batalha é aquele que não tem nada a perder. Sejamos então guerreiros confiantes, e a vida sempre nos suprirá do que precisarmos, em cada momento. Ao contrário, quando acumulamos sem escrúpulos e sem medida, e retemos cada vez mais, nossa liberdade de movimentos e nosso campo de atuação vão se limitando até um ponto em que nos percebemos paralisados, escravos do que somos e do que temos.

Budha afirmava que toda a dor e sofrimento tem origem no desejo. Podemos acrescentar que se perpetuam no apego. Até os nossos melhores momentos, os mais felizes, muitas vezes não são vividos plenamente, porque temos medo de que se acabem. Outro fator que nos impede de viver plenamente é o fato de quase nunca conseguirmos estar onde estamos, por inteiro. Na maior parte do tempo ou estamos alimentando lembranças ou remorsos do passado, ou então divagando e fazendo planos para o futuro. Enquanto isso, a vida escorre por entre nossos dedos.

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