A história de Plotino

Marilda Clareth

A história de Plotino, o místico e filósofo da liberdade e da contemplação, começa assim: “Era uma vez…há muito tempo atrás, no século II d.C, na cidade de Licópolis, no Egito, por volta do ano 204, nascia Plotino, um ser muito especial. Não era um rei, um príncipe, um grande conquistador, mas um místico e filósofo da liberdade e da contemplação.”

A missão de Plotino era iluminar o universo da sabedoria humana, abrir um caminho de conhecimento místico e filosófico, guiar, ensinar e proteger a todos os que se encantavam ou se enamoravam do amor divino. A todos que buscavam se alimentar da chama divina. Poucos sabem, mas, até hoje Plotino protege seres que anseiam e trabalham para alcançar a união divina.

Mas Plotino era um mestre do silêncio. Queria desaparecer como personalidade humana, despojar-se dos entraves que o impediam de viver o seu grande sonho, o de realizar, através de sua existência, a mística de união com o divino, o uno, o todo. E por isso achava que não devia falar de si mesmo, construir uma história que o isolava do mundo, aprisionando-o em círculo pequeno e intransponível, fechado em seu próprio eu, em seu egoísmo. Plotino vislumbrava participar do amor, da beleza que era a chama da luz divina.

Entendia que este era o destino da humanidade, de todos os seres vivos: percorrer, conscientemente, o caminho de retorno ao divino. Sabia que este caminho devia ser percorrido com passos firmes, decididos, movidos pela força da egoência, isto é, pela capacidade de sair de si mesmo como um ser egoísta e transformar-se em um ser egoente. Na época de Plotino, não existiam as palavras egoente, egoência, mas já fazia parte da metafísica filosófica uma concepção transcendente da existência como processo de desenvolvimento interior, a união mística com Deus a partir da expansão da consciência, da renúncia às posses materiais. Trilhar este caminho era forjar uma ruptura com o grau de separatividade da divindade, a qual era determinada pela fixação do ser em si mesmo, a vivência de uma realidade egoísta, o esquecimento do divino em si mesmo. Transcender este abismo era voltar-se para o interior, desapegar-se de si mesmo.

Plotino era um espírito forte, que ansiava alcançar a transcendência de si mesmo; a possibilidade de alcançar a plenitude de ser, ao sair do abismo, criado pela permanência em sua própria personalidade. Para trabalhar sobre o egoísmo, que cria a separatividade, Plotino escolheu a liberdade da egoência, por isso não falava de sua vida pessoal, de seu nascimento, de sua pátria, de sua família, nem mesmo para os amigos mais íntimos. Dizia que não queria criar uma imagem duradoura de si mesmo, além daquela que era a vestimenta com a qual a natureza cobrira a sua alma, o seu corpo físico. Quem contou a história de Plotino e divulgou a sua obra foi Porfírio, um dos seus discípulos.

A história do nosso mestre começou, quando aos 28 anos, iniciou a sua vida como Filósofo. Pensador importante, Plotino dava aulas para as celebridades alexandrinas, mas não se sentia realizado. A sua alma mostrava-se triste, enfastiada, inquieta, o desânimo morava em seu coração. Certamente, porque estava em busca de um sentido transcendente para a sua vida. Ao ver sua angústia existencial, um amigo se compadeceu e o apresentou ao filósofo Amônio de Saca.

Plotino, imediatamente, após ouvir um de seus discursos, identificou Amônio de Saca como o seu Mestre dizendo que aquele era “o homem a quem procurava”. Tornou-se seu discípulo e na escola de Amônio, Plotino aprofundou mais os seus conhecimentos místico-filosóficos e teve acesso à sabedoria oriental, à filosofia praticada pelos persas e pelos hindus.

Após a morte de seu mestre, Plotino tentou viajar para o oriente em busca da sabedoria dos magos, mas não foi possível. Como não queria viver mais em Alexandria, foi para Roma onde fundou a sua própria escola, um espaço para a discussão e a pesquisa, seguindo o estilo e o método de conversação adotado por seu mestre, Amônio de Saca.

A leitura de textos significativos da tradição filosófica era o ponto de partida para iniciar as suas aulas, as discussões travadas com seus discípulos e a construção de novas reflexões sobre temas específicos. Quando era necessário, Plotino interferia nas discussões para refutar e corrigir os argumentos que poderiam induzir ao erro ou ao desvirtuamento das ideias transmitidas.

Muitos jovens, filhos e filhas da nobreza, muitos cristãos, muitas pessoas interessadas em filosofia frequentavam a escola de Plotino. Na verdade, as reuniões ou discussões da escola eram abertas a todos, mas Plotino só permitia a bem poucos a leitura do que escrevia. Somente as pessoas que demonstrassem possuir determinadas condições intelectuais e morais poderiam ler os textos escritos por ele.

A escola de Plotino era, sobretudo, de caráter místico e o seu objetivo era ensinar aos homens a trilhar o caminho da liberdade para alcançar a união divina e assim poder viver em estado de contemplação. Plotino acreditava que a união mística com Deus era o único destino de todos os seres humanos e que esta transcendência não aconteceria a partir de uma graça sobrenatural, um dom, uma dádiva dos deuses, mas por meio de um esforço consciente para possibilitar a integração da energia espiritual natural, durante o processo de retorno ao Absoluto. Plotino acreditava que o homem, por seus próprios meios, poderia se tornar Deus. A união mística com Deus, isto é, o retorno do ser humano ao absoluto aconteceria a partir da participação, de uma atividade contemplativa, quando o homem voltasse o seu olhar para a sua essência divina.

O mundo físico, os problemas, a vida, a natureza humana seriam o espaço ou o momento de expressão do Divino, graus diversos do divino que refletem a unidade divina. O caminho de retorno ou descenso do espírito seria constituído por graus da vida divina, por uma trajetória eterna de ir e vir, um devenir constante do espírito enquanto expressão da essência, do princípio supremo, da unidade divina. Espírito puro, decidido, consciente, mestre Plotino não abria mão de sua necessidade ou da finalidade única de sua vida: unir-se ao divino. Não media esforços para liberar-se, isto é, transcender as suas limitações, desatar-se das ataduras deste mundo para (re)unir-se a Deus e contemplá-lo integralmente. Segundo Porfírio, Plotino alcançou este estado de união extática por quatro vezes, durante a sua própria vida.

Plotino vislumbrava a vida como uma unidade divina e, através de algumas imagens, explicava a origem e o retorno do espírito à sua divina essência. Uma imagem que ele usava para simbolizar o processo de separação e de união mística de todas as coisas era a da luz. Plotino dizia que todas as coisas se originavam de um centro de irradiação de uma luz própria, uma fonte luminosa. Desta fonte brilhava um luz que formava círculos luminosos. O primeiro círculo, o espírito, o segundo a alma e o terceiro a matéria.

Da fonte de luz primeira, a essência originária de uma fonte luminosa, um centro de luz que irradiava grande esplendor, uma luz que não era gerada, mas criada por um ato de vontade, surgia o espírito, um primeiro círculo luminoso, uma luz que nascia da luz.

Este primeiro círculo luminoso, depois da fonte de luz originária, era gerado, segundo Plotino, a partir de uma atividade de contemplação, a luz do espírito contemplando a luz divina. Seria o espírito como uma criação livre, um ato de vontade, participando da fonte da existência. Um novo círculo de luz, a alma, surgia da necessidade criadora do espírito, como uma expressão da divindade.

Depois do círculo de luz, a alma, que contempla o espírito, surge uma outra luz que assinala o momento do apagar-se da luz, o surgimento da matéria. Depois da matéria haveria a treva, a ausência de luz. O momento do apagar-se da luz simbolizava a matéria que tem a necessidade de uma irradiação externa, originada pela contemplação da luz da alma. A busca pelo transcendente seria o ato de contemplar, olhar a alma que é o círculo de luz. Olhar para a matéria que assinalava o momento do apagar-se da luz era encontrar a treva. Para iluminar a matéria, os seres deveriam elevar-se, isto é, retornar ao divino, através da contemplação da luz da alma que, por sua vez contemplaria a luz do espírito, que por sua vez contemplaria a luz divina.

Para Plotino, a luz divina estaria presente em todos os círculos luminosos, inclusive, no da matéria que representava o apagar-se da luz. Assim a origem e o retorno da vida poderiam ser vistos como um caminho a ser percorrido, um caminho em Deus, construído por graus da vida divina, um caminho de Deus para Deus, cujo ritmo se manifestava em um eterno descer e subir da alma, sob o efeito de uma lei imanente.

“A contemplação é o silêncio. Toda a realidade, portanto é contemplação e silêncio. Tudo aspira à contemplação e mira a esse fim, não só os viventes racionais, mas também os irracionais, e a natureza que está nas plantas e a terra que as produz…” (Reale, Giovanni. PLOTINO E PLATONISMO. Rio de Janeiro, Edições Loyola, 1992, p.133-135).

Antes de morrer, aos 66 anos, em 270 d.C, as últimas palavras de Plotino seriam: “Procura reunir o divino que está em ti ao divino que está no universo.” (Reale, Giovanni. PLOTINO E PLATONISMO. Rio de Janeiro, Edições Loyola, 1992, p.18).

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