A jardineira da Divina Mãe

Sou jardineira no jardim da Divina Mãe. Aqui estou simplesmente atendendo a um chamado, cumprindo sua vontade, após uma crise existencial de busca de sentido que me levou a encontrar meu caminho e compreender que este é meu lugar. A obra que devo realizar é em mim mesma e, por extensão, neste jardim onde fui cuidadosamente plantada um dia.

Muitas experiências são necessárias, etapas vencidas, para chegar à consciência do fundamental. Quando esse tempo é chegado, tudo conspira para que a alma encontre a resposta ao anseio indefinido que a move. É um momento único, em que a graça divina se manifesta de forma inconfundível, no lugar e circunstâncias adequadas, para que a alma se lance com todo o seu potencial rumo ao cosmo da consciência divina.

Apoiada nas bases firmes do caminho eleito, todos os elementos lhe são dados para que possa percorrer as próximas etapas. Como dizem alguns místicos, “Este é um ponto sem retorno”.

VOLTANDO AO JARDIM DA DIVINA MÃE

A semente escolhida é amorosamente semeada em solo fértil, onde recebe os elementos necessários à sua germinação. Sente dentro de si uma força crescente que a impele a romper o invólucro e lançar-se para cima. Ao estender seu primeiro broto rumo à luz, pensa que atingiu os píncaros. Fica deslumbrada com tudo que vê. Também, pudera, passou longo tempo na escuridão, no silêncio, na aparente falta de sentido, adormecida, quase como morta, esperando o milagre da vida… No entanto, isso é só um começo…

Ao crescer um pouco, fazendo-se mais forte, começa a inteirar-se de tudo que existe no seu jardim: percebe-se rodeada de grande variedade de plantas, cada qual com características diferentes, árvores frondosas e também ervas daninhas, áreas a serem trabalhadas, outras requerendo cuidados especiais. Constata que o jardim não é tão bonito como pensava. Sonha com outras paragens – o jardim do Éden, talvez! Mas o que é isso? Que pretensão! Quanta soberba! Acaso é tão perfeita? Se assim fosse, estaria no mundo dos anjos. Reflete que deve haver uma razão para estar ali e não em outro lugar. Pouco a pouco descobre o amor que sente por este jardim onde nasceu; é parte inseparável dele, sente-se responsável e ligada a cada uma dessas plantinhas. Já não se contenta em viver como parasita, recebendo indefinidamente, tendo tanto potencial a ser compartilhado. Daí a oferecer-se como jardineira da Divina Mãe foi um passo.

A intenção era boa, mas lamentavelmente faltava-lhe experiência. Na sede de querer “reformar” o jardim, arranca superficialmente as ervas daninhas que voltam a alastrar-se com mais força. Coloca adubo em excesso, queimando algumas plantas que não puderam resistir à super-alimentação. Faz podas inadequadas nas árvores, fora da época, que atrofiam em lugar de desenvolver. E o que é pior, algumas vezes retira da terra uma muda para ser replantada e adia esta tarefa sob o pretexto de estar muito ocupada… E a pobre perde suas forças de tanto esperar. Outras vezes, afoga as violetas com excesso de água, a ponto de literalmente desmancharem-se com tantas amabilidades, não sobrando uma folha sequer…

-– Êpa! Cuidado! Não é por aí! Você está confundindo as coisas -– adverte o jardineiro experiente que acompanha de perto seu trabalho.

Com humildade, reconhece que ainda tem muito o que aprender. Submete-se à orientação que lhe é dada. Acata o método que este lhe propõe. Procura instruir-se, especializar-se na tarefa que elegeu. Como poderia reformar o jardim quando ela própria pouco sabia sobre si mesma?

Compreende que é nela que tudo deve começar. Procura aprofundar em sua essência, conhecer sua verdadeira natureza, descobrir e desenvolver suas possibilidades, reconhecer seus pontos fracos e fazer de si um laboratório de experimentação, para um crescimento cada vez mais harmonioso. Vai além do meramente conhecido. Leva em conta a pesquisa de novos elementos, tais como os enxertos, para que dali surja algo novo. Assim é como cuida agora do jardim. Já não faz um trabalho aleatório. Examina com cautela cada planta, dando- lhe exatamente o que necessita. Cuida dos detalhes – desde o preparo da terra, a adubação, a escolha das sementes, tudo enfim que diz respeito ao jardim. Tem mais consciência do alcance do compromisso assumido com sua escolha e da responsabilidade que ele implica. O que antes era entusiasmo, desejo de ver o jardim rapidamente pronto e bonito para ser visto e apreciado, deu lugar a uma calma ponderada, uma perseverança paciente, um agir sem alarde. Pequenos e eficientes cuidados diários.

Frequentemente tem que abrir mão de suas comodidades, de seus estados de ânimo, da preguiça, da dependência do tempo favorável ou das circunstâncias adversas, e ainda enfrentar todas as dificuldades relacionadas ao cultivo do jardim: os predadores como lagartas, cachorros, formigas, cupins, as pragas etc. Mas sente que vale a pena, e nunca se esquece do momento sublime em que viu a luz pela primeira vez. Como jardineira da Divina Mãe, tudo que deseja é que o jardim se expanda e mais e mais flores desabrochem.

Também ela um dia foi apenas uma semente que encontrou as condições propícias… Continua fiel ao seu trabalho, consciente de que o jardim não é uma obra acabada. Haverá sempre o replante, as podas, a adubação, a limpeza. De nada adianta impacientar-se, ter pressa…

A jardineira aprende com o jardim à medida que interage com ele. Houve época em que se envaidecia, julgando-se a autora das maravilhas que nele desabrochavam. O tempo ensinou-lhe que este é um trabalho de amor e dedicação, onde nem sempre tudo são flores: por mais que faça, há plantas que inexplicavelmente se recusam a crescer… sementes que não vingam… Deve aceitar o que vier: às vezes flores e perfume, outras vezes espinhos, e ainda o inverno, ventos e tempestades devastadoras que a obrigam a recomeçar. Com a experiência que vai adquirindo, já não se deixa intimidar. Uma das lições mais importantes foi a de saber a época adequada para cada tipo de planta. Se isso for respeitado, todas terão a sua vez, florescendo a seu tempo, numa variedade constante. Surpreende-se ao verificar que no período de maior secura e aridez -– meses a fio sem uma gota de chuva – , determinadas árvores inexplicavelmente se revestem de nova roupagem tão verde e de flores tão exuberantes que desafiam a compreensão racional. Onde encontraram e armazenaram a energia e os elementos necessários para explodir em vida quando tudo aparentava morte e desolação?

Reverencie esta força oculta que determina tudo, que dá vida e sentido a tudo. Coloque-se humilde diante Daquela que opera o milagre da vida. Reconheça que é um simples instrumento -– a jardineira da Divina Mãe, a maior alegria de sua vida. Ofereça o fruto do seu trabalho: o perfume da Divina Mãe que É nela. Sinta profundo pesar por aqueles que ainda não viram a luz, nem sabem o que é o perfume de uma flor… Sussurre uma oração ao vento para que leve o perfume da Divina Mãe impregnado neste jardim, a todos que anseiam ter acesso a ele. E o vento cumpre seu papel: os que estão aptos, interessados e atentos, são misteriosamente atraídos. Os pássaros vêm fazer seus ninhos, as abelhas em busca do néctar, mas, sobretudo, aproximam-se dele os que verdadeiramente querem cultivar o “seu” jardim. A jardineira os acolhe, atenta a tudo que necessitam para dar os primeiros passos…

Teresa Pimentel é Professora de Música aposentada, reside em Salvador,BA e é membro de Cafh desde 1987.

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