Simone Weill: a mística militante

Simone Weil (1909-1943), mística da gravidade e da graça, professora, filósofa, operária, construtora de um método próprio de trabalho interior, nasceu em Paris. A busca do Divino é um dos temas que permeia a sua existência e a sua obra. A Espera de Deus, um de seus mais expressivos livros, relata através da realização de atos cotidianos, o seu encontro.

A vivência da dor e da alegria dos seres humanos, compõem o método e a forma de pensar de Simone Weil. Para ela, a Espera de Deus surge do amor e da capacidade de compreender o outro. O encontro com Deus é uma consequência da elevação do ser humano, a capacidade de viver suas experiências, à luz da graça que nasce da busca da verdade e da renúncia a si mesmo.

Por estar em busca da verdade, seus passos demarcam um método em que a ascética e a mística se unem para evidenciar os seus pensamentos e as suas ações. Sua vida torna-se uma melodia cujo tom maior é o silêncio, uma pausa para ser e depois se expressar. Uma sinfonia orquestrada por sua consciência e esforço. Simone é operária da vida, do trabalho, de um método e de uma ascética mística, um processo interior e exterior de busca da união com o divino. È um mistério de amor que encarna em si a grandeza de ser e de estar no mundo de uma forma tão singular, tão especial, sem, no entanto, perder-se no mar revolto da dor pessoal, na areia árida do deserto da ilusão que seduz e destrói.

Como ser humano desceu até o mais profundo e emaranhado de si mesma, passeou pelos elos da rede social que organiza e escraviza, da forma mais impiedosa possível, os atos inconscientes da existência. Mas estes elos não prenderam Simone. Ao contrário, a sua vida, a cada passo, foi um hino de transformação. Os atos inconscientes geravam reflexões que contribuíram para transformar Simone Weil em luz que ilumina a relação entre o humano e o divino. A partir de cada experiência brotavam reflexões, momentos de transcendência, elucidadores da existência humana. A liberdade de viver e a consciência de poder escolher inspiram-lhe a criação de um método, uma síntese de amor e de poesia. Simone Weil pensa que é importante “preparar a nossa alma para receber a graça; e a energia necessária para esse esforço nos é proporcionada pela graça.” A transformação, pela graça divina, é a poesia que impede o embrutecimento, o desespero, a busca de satisfações mais grosseiras. A falta de sentido constituiria a desgraça da condição humana.

Para Simone, o trabalho e a oração seriam forças indispensáveis. “O trabalho é uma prece fácil de dizer”, quando se relaciona à tarefa de “transformar a própria vida cotidiana em uma metáfora de significação divina”. Seria a metáfora do semeador que vê “os momentos de semeadura” como um ato de ressurreição: a semente que morre pela renúncia para ressuscitar como nova criatura. “Os momentos da semeadura seriam momentos para a oração tão perfeitos como os de qualquer monge em sua cela. Isto sem prejuízo do trabalho, pois a atenção estaria concentrada no trabalho.” Enquanto trabalha, o semeador participa, pois “sente-se feliz ao pensar que ele faz o alimento que saciará a fome dos homens.”

Na miséria humana, Simone Weil via a distância do divino, ou a gravidade, a qual revela, ao mesmo tempo, a graça, a possibilidade de vislumbrar a união do ser humano com o divino. O abismo, neste caso, não é o lugar de desespero, mas o da possibilidade de um encontro, a possibilidade de se poder alçar um voo mais alto e colocar-se em interligação com o universo da existência.

A mística Simone Weil foi uma filósofa que experimentou em si a leveza e a gravidade de ser operária de uma fábrica para participar com os que sofrem. Através desta experiência pôde vivenciar aspectos miseráveis da condição humana, e assim transitar entre o humano e o divino para descobrir e oferendar à humanidade um caminho de amor, renúncia, a poesia de ser e de transcender limites, através de um método de desaparição do egoísmo. Simone Weil assume a condição de operária quando, estando muito doente, sente a angústia terrível de perceber que a sua vida pudesse terminar sob a ameaça da decadência, pelo aumento da dor e de seu esgotamento físico. Assim, apesar de seu estado de enfermidade, Simone se tornou operária de uma fábrica francesa. “A combinação da experiência pessoal e a simpatia pela miserável massa humana” com a qual se identificava e se sentia intimamente unida, fizeram com que experimentasse em seu coração o sofrimento da degradação social. Neste momento de dor física e de dor da alma, Simone pôde fazer um grande esforço para acreditar em Deus e para amar. Para ela, “aceitar a existência do universo é a nossa função terrena”, pois implica reconhecer que a criação de Deus é um ato de amor e de bondade.

Em Simone, o sofrimento, a dor e a beleza se relacionam. “A alegria e a dor são dons igualmente preciosos, que é preciso saborear, tanto um quanto outro, integralmente, cada um em sua pureza sem misturá-los. Pela alegria, a beleza do mundo penetra em nossa alma. Pela dor, ela penetra em nosso corpo. Somente com a alegria não poderíamos chegar a ser amigos de Deus… o corpo participa de toda a aprendizagem.”

O sofrimento é uma condição humana importante porque nos move a formular uma pergunta que sempre evitamos: por quê? Também “o belo nos dá em forma tão viva a sensação da presença de um bem, que buscamos um fim sem jamais encontrá-lo. O belo também nos obriga a perguntar-nos: por quê? Por que isto é belo? Porém são poucos os que são capazes de se perguntarem “por quê”, durante várias horas seguidas. O porquê da dor dura horas, dias, anos; somente cessa por esgotamento. Aquele que não somente é capaz de gritar, mas também é capaz de escutar, ouve a resposta. Essa resposta é o silêncio. Aquele que é capaz não só de escutar, mas também de amar, ouve o silêncio como uma palavra de Deus.”

A poesia se manifesta: “As criaturas falam com sons. A palavra de Deus é o silêncio. A necessidade de nosso mundo é a vibração do silêncio de Deus. O ponto de união entre o humano e o divino se traduz em ‘dois caminhos’ ou em duas pontas suficientemente agudas para penetrar assim em nossa alma: a dor e a beleza.” O sofrimento seria a incapacidade de construir sensibilidade para perceber o belo e de forma equívoca esbanjar a beleza do mundo, isto é, não prestar atenção à claridade das estrelas, ao rumor das ondas do mar, ao silêncio que antecede ao amanhecer. “A beleza do mundo é o sorriso de ternura de Cristo para nós, através da matéria.” A criação da beleza surge da necessidade de se aperfeiçoar.

Simone Weil nos alerta que o “não prestar atenção à beleza do mundo, seja talvez, um crime de ingratidão tão grande que merece o castigo da dor.” Seria tornar-se cego ou cair em uma vida medíocre. E de forma contraditória, devemos compreender que somente aquele que conheceu a alegria pura, o sabor da beleza do mundo, ainda que seja por um minuto, pode sentir que a dor é dilacerante, que por um instante Deus mesmo lhe toma as mãos e as apertas com mais vigor. A fidelidade, neste momento, possibilitará ao ser encontrar a pérola do silêncio de Deus, no fundo de seus próprios gritos de dor.

Mas a dor e o sofrimento são diferentes. A dor é o grande “enigma da vida”, um mistério do sacrifício como nos ensinam as ensinanças de Cafh. Neste caso, amar é a condição indispensável para não se cair em sofrimento. Cair em estado de sofrimento é fortalecer a força da gravidade, isto é, os sentimentos de repulsa, desprezo, ódio que se voltam contra quem os sente e envenenam a vida. Se não existir a graça, o sofrimento converte a alma em cúmplice de sua própria miséria, injetando-lhe progressivamente um veneno de inércia. Esta cumplicidade dificulta todos os esforços que poderiam ser feitos para amenizar a sua dor, impedindo-se mesmo de buscar os meios para transcendê-la e desejar ser livre. Pior ainda, essa cumplicidade pode ferir profundamente e nem mesmo “Deus cura em nosso mundo a natureza, irremediavelmente ferida.”

A graça é um bem exterior e interior que se interrelaciona com a aceitação. A graça acontece como um milagre, quando desejamos nos transformar. A imobilidade interior, a atenção permanente é uma espera que se diferencia da imobilidade do corpo. “O homem realmente atento não necessita propor-se a permanecer em mobilidade para manter a sua atenção, mas ao contrário, uma vez que seu pensamento se concentra em um problema, suspende natural e automaticamente os movimentos que possam perturbá-la, entra em um estado de espera imóvel.” A ascética e a mística se unem como dons que se completam: gravidade e graça em movimento.

A capacidade de contemplar o belo, de amar a vida, prestar atenção, são condições do método de existir. “Saber pousar um olhar certeiro” sobre os que sofrem e ser capaz de lhe perguntar: “Qual é o teu tormento?” “A atenção criadora consiste em prestar realmente atenção ao que não existe”. Contemplar, lembrando-se que “A arte é uma tentativa para transportar, em uma quantidade finita de matéria modelada pelo homem, uma imagem da beleza infinita do universo inteiro”.

Lembrar que “Só a esperança dá bastante força para que o temor não seja causa de queda. Criamos ligaduras, concebendo relações. ”Simone Weil nos ensina que estudar, aprender a viver, descobrir o belo, formar a atenção, contemplar são notas que compõem a melodia da existência… “ Não é assombroso que um homem que tem pão, dê um pedaço a um faminto.” Gravidade e graça se encontram.

Marilda Clareth Bispo de Oliveira é Professora, reside em Juiz de Fora, MG e é membro de Cafh desde 1973.

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