A interdependência sob o ponto de vista empresarial

Quando participei de um retiro, há pouco tempo atrás, foi proposto o seguinte tema para dialogarmos: “A aceitação da interdependência como atitude essencial para viver não é uma imposição, mas o resultado de um processo de expansão da consciência”.

Essa frase, no contexto da vida espiritual, gera a possibilidade de um diálogo bastante rico, pois somos almas únicas, que dependemos umas das outras e do meio para realizar o trabalho no âmbito do desenvolvimento espiritual. No entanto, uma questão surgiu assim que acabamos o diálogo do retiro: como fazer para aplicar esse tipo de ideia em um contexto empresarial?

Essa dúvida surgiu porque, ao longo dos anos, em algumas empresas onde trabalhei, ouvindo a experiência de pessoas próximas, percebi que ainda está bastante arraigada nos meios empresariais a cultura medieval do feudo. No mundo medieval, o feudo era uma unidade de produção, onde acontecia a maior parte das relações sociais e a sua estrutura socioeconômica era voltada para atender à necessidade individual de cada morador do feudo. Trazendo a analogia para as empresas, os feudos seriam os setores funcionais, onde o senhor feudal (chefe) estaria preocupado com o resultado do seu setor, do seu grupo. O que acontecesse fora dos muros de seu setor (em outras equipes) não importava, sob a alegação que ele não tinha controle sobre elas.

Existem dois aspectos que não são levados em conta com esse tipo de atitude. Em primeiro lugar, as equipes – ou os setores – que se organizam em uma estrutura linear acabam dependendo muito do resultado da equipe anterior. Mesmo as que trabalham em uma estrutura paralela acabam sendo interdependentes, seja na divisão do trabalho, seja na composição do resultado da estrutura superior (gerência, por exemplo) ou da empresa. É necessário haver a conscientização de que o resultado do meu “feudo” é importante, porém de nada adianta o meu resultado ser satisfatório se o do setor ao meu lado for ruim, pois dessa forma os objetivos da empresa não serão alcançados. Mas, de que objetivos estamos falando?

Dizer que o objetivo da empresa é baseado, principalmente, em sua missão e visão é analisar de forma enviesada este objetivo. Observando a partir de um viés diferente do anterior, uma consultoria americana diz que toda empresa tem como objetivo gerar valor. Valorar uma empresa é um processo que é fortemente interdependente da sociedade, pois o que é valor para uma sociedade pode não ser para outra.

Os EUA, por exemplo, usam como medida de valoração de uma empresa o seu lucro. Quanto mais lucro gera uma empresa, mais valor ela tem. Isso inclusive é bastante visível com a oscilação do valor das ações de uma empresa na bolsa quando essa divulga os seus balanços periódicos. Já para os japoneses, o lucro não é uma medida de valor muito importante. Para eles, a governança familiar tradicional nessas empresas, quando mantida e aplicada, faz com que uma empresa receba maior valor de mercado, pois mostra solidez para o mercado. Para as empresas europeias, o retorno social da empresa – ou seja, a participação e inclusão da empresa para a melhoria da sociedade – faz com que as suas ações sejam mais valorizadas. Em cada uma das sociedades, é sua atitude essencial – que é fruto do trabalho de expansão da consciência – que faz com que uma empresa tenha seus objetivos alcançados ou não. Nos dias de hoje, podemos observar que cada vez mais as empresas mundiais acabam adotando como método de valoração uma mistura desses três modelos. E algumas ações demonstram isso.

Um das práticas de negócio mais comuns nas empresas atualmente é a terceirização, em que se visa reduzir o custo e a melhorar a qualidade de algumas tarefas que não são a atividade fim da empresa. No entanto, como garantir que a atividade fim atingirá seus objetivos se a atividade meio não estiver sendo feita com qualidade? Por isso, muitas delas adotam um programa de desenvolvimento de fornecedores, em que a empresa fim acaba ajudando a empresa meio a desenvolver seus processos, gerando qualidade no produto, confiança mútua entre as empresas, mas principalmente, gerando um enorme valor social. As grandes corporações acabam ajudando no desenvolvimento das empresas locais, que são as grandes empregadoras e ajudam a sustentar a economia local.

As grandes corporações acabaram percebendo que, para atingir grandes mercados nacionais e internacionais, a economia local deveria ser próspera e sólida, tanto para garantir mão de obra qualificada e produtiva, quanto para produzir meio para que a empresa seja sustentável. No fim, algumas empresas começaram a perceber que mais do que investir em grandes processos ou máquinas, o diferencial que dá sustentabilidade para elas é participar de forma ativa no seu entorno imediato, desenvolvendo meios e ferramentas para melhorar a participação das pessoas no seu negócio.

A máxima de que “o maior bem de uma empresa são seus funcionários” começa, então, a se tornar algo concreto e real. De nada adianta ter equipamentos modernos, processos bem desenhados se o material humano não for treinado para utilizar os equipamentos e ter consciência para entender qual seria o seu lugar e o seu valor dentro da cadeia produtiva. A ambiência corporativa se torna um ponto de grande atenção e de acompanhamento pelo alto escalão, pois afeta diretamente o processo de moldagem do futuro da empresa. Uma forma eficiente de melhorar essa ambiência é mostrar para o funcionário a interdependência entre o seu trabalho e o dos outros funcionários. Assim, ele enxergaria a forma como a sua participação influenciaria no resultado da companhia e qual seria o seu valor dentro do processo produtivo.

Quando todos veem isso, há uma relação sinérgica de respeito e confiança entre todos. Somos todos seres individuais, com responsabilidades e direitos diferentes, mas voltados para o objetivo único de fazer com que a empresa atinja seus objetivos e seja próspera. Essa integração consciente máxima, que é a conscientização da interdependência, gera um incremento de valor intrínseco e extrínseco para a empresa, deixando-a mais sólida, com maiores possibilidades de continuar a cumprir com a sua missão, de confirmar os seus valores e de manter o seu papel no mercado.

Essa ideia de que todos somos interdependentes, sendo indivíduos únicos, já está sendo disseminada e trabalhada há algum tempo pela física quântica, pelos caminhos espirituais e agora mais recentemente pelas empresas. Estamos tendo o privilégio de vivenciar um período onde as grandes ideias estão sendo permeadas em vários meios simultaneamente, mostrando o quão próximos estamos todos, apesar de ainda estarmos trabalhando para ter essa percepção ampla, que abarca novas realidades, novas estruturas, novas realidades. O futuro nos mostrará que os ambientes científicos, empresariais e espirituais, que aparentam ser excludentes e contraditórios, são e estão se tornando muito mais próximos, fruto do trabalho de todos nós e de cada um de nós no processo da expansão da consciência.

Marcos Piquet é engenheiro, residente no Rio de Janeiro-RJ, membro de Cafh desde 1995.

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