Consciência e vontade (TEXTO INICIAL INCORRETO)

Adquirimos uma personalidade especialmente através da interação entre a educação, a informação e os estímulos que recebemos do meio, nosso temperamento e a amplitude de nosso estado de consciência.

A educação e a informação nos dão valores e padrões de conduta. Nosso temperamento determina a forma em que tendemos a reagir ante os estímulos e os freios que o meio em que vivemos nos impõe.

Da amplitude de nosso estado de consciência depende quão alerta estamos de nossas reações, em que medida as controlamos, como as orientamos e que referências usamos para avaliarmos a nós mesmos e compreender os fatos da vida. Nosso estado de consciência nos dá também outras características que podem favorecer ou criar obstáculos a nosso desenvolvimento: generosidade, empatia, fortaleza interior; egoísmo, petulância, indiferença, lassidão.

De tudo isto surge uma maneira de sentir, de pensar e de atuar com as quais definimos quem somos frente à sociedade e também ante nós mesmos. O desenvolvimento da personalidade é inevitável, porque a natureza humana está condicionada para responder a estímulos. No nível de nossa consciência, o conjunto de nossas respostas constitui nossa personalidade. O importante, então, é conseguir e manter uma personalidade equilibrada, com características apropriadas para enfrentar os desafios de viver neste mundo.

A vontade aplicada a objetivos acidentais e acessórios, mas necessários.

A personalidade e os desafios que temos que enfrentar movem, na maioria dos casos, nossa vontade de fazer. Primordialmente, nossa vontade nos impulsiona a fazer o que for necessário para nossa subsistência e satisfazer nossos desejos e as necessidades daqueles que mais nos importam.

Em consequência, nossos objetivos urgentes são os imediatos e, na medida que tenhamos a intenção e a capacidade de prever contingências futuras, perseguimos outros objetivos de alcance maior.

É assim que vivemos grande parte de nosso tempo correndo fora e também dentro, cobrindo necessidades, cumprindo projetos, respondendo a demandas daqui e dali: a grande corrida da vida. E é necessário correr essa corrida. Não podemos nos subtrair totalmente do meio em que vivemos. Mas esta situação nos favorece, porque se nos concentramos em responder a nossas necessidades reais e ao que a sociedade requer de nós, a atividade que desenvolvemos se transforma numa exercitação (ascética) que fortalece nossa vontade e nosso autodomínio, aguça nossa percepção e amplia nosso sentido de participação.

A inteligência aplicada às conquistas pessoais, mas que redundam em benefícios sociais

Além da necessidade de responder às demandas, nossas e da sociedade, também podem nos impulsionar outras forças não relacionadas diretamente com nossa subsistência: a ambição, a cobiça, a inveja, o ódio, o rancor e toda a gama das paixões humanas.

O grau de inteligência que tenhamos desenvolvido nos permite discernir a natureza de nossos objetivos e das forças que nos impulsionam a consegui-los. Se nosso discernimento se independentiza de nossos desejos particulares e contempla as necessidades gerais, o fruto de nossa inteligência será, indubitavelmente, de benefício para o mundo.

A ética que assimilamos nos dita como temos que nos orientar para propiciar o desenvolvimento humano. Ensina-nos a saber querer. Também nos ensinam a saber querer os exemplos daqueles que alcançaram o que ansiamos, tanto se for um ideal espiritual como um objetivo de outra natureza. É assim que cada um de nós desenvolve sua própria ideia do que é saber querer.

A memória como a lembrança que nos diz quem somos

A personalidade que adquirimos nos serve de apoio para resistir e superar os embates da vida. Mas, sobre o que se apoia nossa personalidade? Sobre nossa memória.

Na trama de nossas memórias unimos os acontecimentos que recordamos e que nos dizem quem somos. Tanto é assim que quando nos perguntam quem somos, recorremos a nossa memória em vez de indagar em nossa consciência. Dizemos: nasci em tal lugar, eduquei-me em tal escola, meus gostos favoritos são estes, trabalho em tal lugar, etc. Damos os dados da personalidade que fomos adquirindo.

Nossa memória tece uma trama estática de dados com os quais nos definimos, enquanto a vida nos vai levando numa trama que é dinâmica. Para usar o banco de dados de nossa memória de maneira que nos ajude a compreender e dar significado ao que vivemos e ao que estamos vivendo, temos que ver os efeitos da relação entre nossa memória e nossa personalidade.

Quanto mais nos afirmamos através de nossas recordações no que fomos adquirindo através do tempo, mais seguros nos sentimos de que nossa maneira de sentir, pensar e atuar é genuinamente nossa.

No entanto, por mais seguros que nos sintamos acerca de nossa interpretação das coisas e de nós mesmos, as lembranças dos desafios que tivemos que enfrentar e cada novo desafio – especial- mente os inesperados – questionam essa segurança.

Na própria memória que nos dá segurança estão gravados os acontecimentos imprevistos que puseram de manifesto a incerteza em que continuamos vivendo. Novas maneiras de pensar foram acabando com nossas convicções. Novas descobertas mostraram a contingência de nossas opiniões.

Segundo tenha sido nossa atitude, sentimos os estímulos que recebíamos, tanto como um incentivo para nos adiantar como um ataque ao que já éramos.

Por mais previdentes que tenhamos sido, não sabemos o que o futuro nos prepara. Se respondemos positivamente a nossa incerteza, a vida foi-se transformando para nós num aprendizado e descobertas contínuos. Mas se nos sentimos vulnerados pela incerteza, fomos negando o temporário de nossa situação, cerramos os olhos às evidências e nos entrincheiramos na recordação do que conseguimos.

Novas maneiras de pensar nos mostram a necessidade de considerar diversos pontos de vista para equilibrar nossas percepções. Mas, implicitamente, questionam a validade das interpretações que guardamos na memória. Por isso costumamos defender-nos com a recordação do que acreditávamos ser certo.

O avanço no conhecimento nos abre um caminho de possibilidades insuspeitas. Mas também torna obsoletas as opiniões gravadas em nossa memória. Para defender-nos, nós nos abraçamos a essas opiniões recordando o quanto nos custou chegar a tê-las e quanto nos serviram.

O fato de que ante uma opção o hábito tende a prevalecer, é especialmente certo no que concerne a nossa personalidade. Os hábitos se baseiam especialmente em nossas lembranças e em nossas respostas condicionadas.

Por isso, é comum que, quando alguém nos mostra como efetuar ou entender algo, de forma diferente da que estamos acostumados, apelamos a nossa memória e reagimos dizendo ou pensando: “por acaso a forma como o fiz até agora, ou a maneira como o interpretei, não está bem?” Mas o aumento incessante do conhecimento humano nos mantém conscientes de que para não perder o ritmo da vida temos que permanecer abertos a novas opções. Sem dúvida, não tem sentido mudar de hábitos se estes são benéficos. Mas tem sentido manter uma atitude receptiva que nos permita discernir com clareza, qual parte do passado que guardamos na memória já está concluída, para poder aprender e continuar desenvolvendo-nos.

Os sentimentos e as emoções que nos dão o sentido de domínio e o desejo de ajudar

Assim como aprendemos os códigos com que interpretamos a vida e o mundo, também aprendemos, em boa medida, a sentir e a nos emocionar segundo os códigos do meio em que nos desenvolvemos. Sentimentos compartilhados nos unem à comunidade a que pertencemos, e essa união fortalece o sentido que temos de nossa identidade.

Nosso sentido de identidade é, no final, tanto uma função de nossas ideias como de nossos sentimentos. Por mais que nos imaginemos independentes sentimo-nos parte de um grupo maior. Isto se evidencia na busca de aprovação e reconhecimento por parte dos demais e pelo sofrimento que nos invade quando não somos validados. Dependemos, não só materialmente do grupo que nos sus- tenta mas, também, emocionalmente. Nosso próprio equilíbrio depende do equilíbrio afetivo entre nós e os demais. Necessitamos aprender a sentir bem, porque nosso sentir condiciona, em grande medida, nosso discernimento.

Na medida em que alcançamos um bom sentir desenvolvemos empatia, inicialmente com o meio imediato e, progressivamente, com um meio maior.

Nosso sentido de participação – sentir bem – impulsiona-nos a querer bem.

De acordo com os valores que incorporamos ao desenvolver nossa personalidade sabemos o que temos que querer para conseguir nosso progresso e o da sociedade. Saber querer é, para nós, querer de acordo com nosso conceito sobre o que é bom para nós e para o mundo.

É evidente que ainda não existe um acordo (pelo menos nos fatos) sobre o que é bom para nós. Nosso conceito do bem ainda depende do grau de separatividade ou de solidariedade que rege nosso pensamento. Se bem que concordemos sobre qual é o bem teórico para a humanidade, não temos muitos pontos comuns acerca do bem que pretendemos agora para cada um de nós.

No entanto, na maioria das vezes nos sentimos seguros de que sentimos, pensamos e atuamos bem.

Fortalecimento do estado de consciência já conquistado

Como a personalidade que adquirimos é, em grande parte, uma função do meio em que nos desenvolvemos, os objetivos que perseguimos, a maneira como atuamos, sentimos e pensamos, consolida o estado de consciência desse meio e o de nós mesmos.

Ainda nos falta muito caminho a percorrer dentro desse estado de consciência. Nossa conduta não responde sempre aos princípios éticos que professamos nem às doutrinas em que acreditamos. Por isso, as leis da sociedade e as das doutrinas espirituais nos lembram nossas responsabilidades e nossa vocação de unir-nos com Deus. Elas nos dizem, de dentro de nós, o que teríamos que querer, como teríamos que sentir e pensar, sempre.

Na medida em que respondemos a essa lembrança progredimos, nós e a sociedade, dentro do caminho que já conhecemos. Isto nos ensina a utilidade da personalidade que adquirimos, mas também nos mostra seus limites.

Para superar esses limites necessitamos desnudar nossa personalidade e “quebrá-la”, como já dissemos anteriormente. Neste contexto, “quebrar a personalidade” significa moderar o rigor com que ela nos rege e adquirir domínio sobre ela para que seja nosso instrumento em vez de nosso dono, de maneira a não encerrar dentro de seus limites nosso sentido de identidade.

Querer ousar o crescimento que o desenvolvimento da personalidade promove necessita atualizar-se

Desenvolvemos nossa personalidade de acordo com as pautas dadas pela sociedade. Uma vez que nossa personalidade se tenha fortalecido, inconscientemente continuamos sustentando as mesmas pautas, ainda que a sociedade como conjunto já tenha avançado sobre elas. Isto se faz evidente na resistência que se tem que vencer para conseguir estabelecer melhorias indiscutíveis. Por exemplo, a abolição da escravatura e do trabalho das crianças, o estabelecimento de jornadas de trabalho adequadas, o reconhecimento dos direitos das crianças, a igualdade entre homens e mulheres, a liberdade de expressão; enfim, o reconhecimento dos direitos humanos. O tempo que a humanidade necessitou para reconhecer estes direitos e o que necessitará para faze-los realmente efetivos, mostra a dureza que nossa visão da vida e do mundo alcança, uma vez que tenhamos definido nossa personalidade.

Se bem que a humanidade se adiante como conjunto, é evidente que esse adiantamento não é homogêneo. Os que trabalham para conseguir paz, participação e equidade no mundo, têm que deparar-se continuamente com o fanatismo, os preconceitos e o egoísmo que brotam através de indivíduos em todos os grupos sociais. Apesar dos milhões de vidas e das tragédias da primeira guerra mundial, não só seguiu-a outra, senão que o estado de guerra continua no mundo, transladando-se de uma região para outra, de um grupo para outro, como semente venenosa que mata, destrói e persegue todas as organizações sociais, suas realizações e seus ideais.

É necessário, então, que alcancemos a capacidade de ir atualizando-nos, pelo menos de acordo com o ritmo que o avanço do desenvolvimento humano atual marca.

O devenir e a necessidade de adaptar nossos processos mentais à mudança contínua

O “gap” (defasagem) entre as gerações, tão evidente na atualidade, produz-se por nosso estancamento nos moldes que formamos há anos. A consequência desse gap é a perda de nossa autoridade moral e intelectual ante as novas gerações. O aspecto positivo desta perda é a maior liberdade que cada nova geração tem para analisar as suposições da sociedade; o negativo é o grau de desorientação que se produz quando não há, ou não se reconhecem, guias com mais experiência e conhecimentos que orientem a juventude e lhe evitem dores desnecessárias.

Cada geração produz mudanças na condição que recebe da anterior. Evidentemente, nem toda mudança é boa. Muitas provêm de reações produzidas pelas situações trágicas que produzimos com nossa maneira de encarar a vida. Mas, ainda que, às vezes, não estejamos de acordo com essas reações, temos que reconhecer que nós mesmos as geramos, e que, por isso, necessitamos ir à origem do processo que desencadeia as misérias e tragédias do mundo de hoje: nossa maneira de pensar e de sentir, já que ela determina nossa conduta e decisões, as quais, por sua vez, ocasionam os males que estamos sofrendo.

Reavaliar e compreender: desapego da personalidade, uma constante em nossa vida

Uma vez que tenhamos compreendido a natureza de nossa personalidade, tentamos desapegar-nos dela. Mas, só isto não nos basta para conseguir liberdade interior. Temos que dar-nos conta de que enquanto identifiquemos nossa noção de ser com nossa personalidade, não poderemos descobrir quem somos realmente.

O primeiro passo é o desapego. Para consegui-lo, primeiro temos que criar e depois manter uma distância entre nossa noção de ser e a personalidade que adquirimos. Na prática, temos que aprender a “olhar-nos de fora”, sem julgar-nos; só observar-nos. Começamos fazendo isto como um exercício, em alguns momentos do dia, especialmente durante as ocasiões em que não podemos controlar-nos totalmente ou quando temos confronto com outras pessoas. A finalidade deste exercício é conseguir manter-nos conscientes dos manejos e das expressões de nossa personalidade, já que essa consciência nos dá liberdade para usar essa personalidade como um instrumento de desenvolvimento.

O exame retrospectivo nos treina para este exercício. A capacidade de observar-nos sem julgar-nos põe em jogo o poder dos princípios éticos que interiorizamos e o dos protótipos existentes em nosso inconsciente.

O segundo passo é mergulhar em nosso interior para reconhecer nossa identidade como almas. Na medida em que possamos manter distância a respeito de nossa personalidade, poderemos desenvolver uma noção de ser que não se circunscreva apenas à contingência que vivemos, senão que se relacione intuitivamente com o mistério divino que ansiamos desvelar.

Consciência de nossa ignorância

Ao tomar distância de nossa personalidade podemos discernir o limitado de nosso conhecimento e o elementar de nosso saber. A condição para não perder esse discernimento é manter essa distância. Isto não nos é fácil, já que nossa tendência a identificar-nos com nossa personalidade é tão forte e permanente como a força da gravidade que nos assenta sobre a Terra.

O que nos ocorre é que, para atuar na vida, temos que basear-nos no que sabemos – e em nossas suposições acerca do que não sabemos. E, como viver exige de nós atuar, aferramo-nos a essa base de tal maneira que pensamos que sabemos tudo o que necessitamos saber, até chegar a imaginar que o que sabemos é a verdade. Esta imaginação determina em nós uma postura rígida que nos move a negar nossa ignorância; isto é, a afirmar como certo o que imaginamos sê-lo, a chocar-nos com os que não concordam conosco e, finalmente, a despedaçar-nos inevitavelmente com o curso do devenir.

Cada um desses choques é um chamado a reconhecer nossa ignorância. Validação do que aprendemos. O reconhecimento de nossa ignorância é a base para uma validação sadia do que já aprendemos. Se somente permanecêssemos em validar o que aprendemos, tenderíamos a estancar, quando não a dogmatizar-nos.

Se somente validássemos nossa ignorância, rejeitaríamos nossa capacidade de atuar com proveito, de aprender, de renovar-nos e de realizar novas possibilidades.

Em troca, basear-nos em nossa ignorância para validar o que aprendemos, permite-nos usar com proveito o que sabemos sem atar-nos a isso, e manter-nos abertos à imensidão do que não sabemos. Também nos ajuda a aceitar nossos equívocos sem dramatizar, pois somos conscientes de nossas limitações.

Alimento para nosso anseio de desenvolvimento: ousar

A abertura para a imensidão do que não sabemos é a força que nos impulsiona a ousar: atrever-nos a transformar a vida corrente na maravilhosa aventura que implica expandir nossa consciência.

A característica do ousar é a de construir sem destruir o já conseguido. Esta é, precisamente, a característica do processo de expansão: estender-nos para o existente.

Por isso temos que cuidar-nos de nossa tendência a dividir tudo: certo ou falso, útil ou inútil, porque no contexto do ousar, esta atitude nos levaria a imaginar soluções extremas. Por exemplo, ao descobrir nossas falhas e carências, poderíamos imaginar que a solução seria que fôssemos totalmente diferentes e desanimaríamos ao não consegui-lo. Ou, ao contemplar as falhas da sociedade atual, poderíamos pensar que se deveria acabar com ela e criar outra completamente nova. Não nos daríamos conta de que o único material que temos para trabalhar em nosso desenvolvimento está em nós mesmos, assim como somos – não podemos ser “outros”; temos que basear-nos em nossa própria realidade – e que se acabássemos com a sociedade que temos, também acabaríamos com os avanços reais que conseguimos com tanto esforço.

Especialmente temos que cuidar-nos da paixão que nos move a destruir o que não nos agrada ou não concorda conosco, inclusive, a imaginar o extremo de que não haveria mal no mundo se dele fossem eliminados os maus, ou que seríamos muito mais felizes se os outros mudassem segundo nosso desejo – o que equivaleria a eliminar o que são.

Temos que compreender que a única realidade com que contamos é a existente, e que a única maneira de progredir é construir sobre ela.

Ousar é, precisamente, ousar construir sobre o que sabemos, adiantando-nos sobre o que não sabemos. Para conseguir este adiantamento somos obrigados a revisar de forma permanente o que já cremos saber, tanto na ordem material como na espiritual.

Ousar revisar quem somos: redimensionar nossa personalidade e seu papel em nosso desenvolvimento

A prática do ousar começa por nós mesmos: ousar reconhecer-nos. Re-conhecer-nos é um processo que implica reconhecer a personalidade que adquirimos, com suas características positivas e negativas em relação a nossa vocação de desenvolvimento. Uma vez que tenhamos reconhecido nossas características, temos que reconhecer também os efeitos que elas produzem em nossa relação com os demais e com a sociedade em que vivemos.

E, é claro, esse reconhecimento tem que se completar com a decisão do que vamos fazer a respeito dessas características:

• Que esforço estamos dispostos a efetuar para manter-nos conscientes da contingência e das limitações de nossa personalidade.

• Como vamos empregar o padrão que nossa personalidade tende a nos impor em nosso sistema de relações, desde as que temos com o contexto próximo e imediato até as que estabelecemos com o contexto universal.

Numa palavra: que vigência tem o ousar em nosso trabalho sobre nós mesmos; quanto há de querer ousar em nossa relação com nosso desenvolvimento, e quanta vontade colocamos em nosso ousar para que se traduza numa expressão de nossa consciência.

Ousar julgar identificação com o passado: fonte de ignorância e de dor

Ao identificar-nos com nossa personalidade, nós nos identificamos com nosso passado, já que essa personalidade é o resultado desse passado.

Poderíamos perguntar a nós mesmos de que forma poderíamos não nos identificar com nosso passado, se esse passado aconteceu conosco e não com outros. É certo que isso nos aconteceu, mas a forma como o percebemos, muitas vezes destorce os fatos. Por isso, também é certo que se não colocamos distância no que respeita a nosso passado, não poderíamos avaliá-lo, já que nossos julgamentos seriam predominantemente subjetivos.

A consequência direta de nossa identificação com nosso passado – e com nossa personalidade – é ignorância, e o que ela gera é fonte de dor.

Dor por não compreender integralmente (juízos subjetivos obscurecem a compreensão) o que nos aconteceu. Dor porque, por não compreender nosso passado, não aprendemos do que experimentamos, e repetimos uma e outra vez o mesmo que nos fez sofrer.

Para compreender nosso passado, então, temos que tomar distância a respeito dele, da mesma maneira que tomamos distância de nossa personalidade.

Essa distância, além de nos permitir julgar nosso passado, também nos permite julgar o passado do meio em que vivemos. Isto é importante porque nossa personalidade não só resulta de nosso passado particular, mas também do passado da sociedade a que pertencemos. Ao poder compreender o passado de nossa sociedade, podemos chegar a compreender como desenvolvemos nossa interpretação das coisas e a ideia que formamos de nós mesmos e do meio em que nos criamos.

A renúncia e a mudança contínua: as duas faces de uma mesma realidade

A mudança contínua que o devenir implica, impõe-nos uma atitude de renúncia. Dizemos que nos impõe essa atitude porque nossa tendência inconsciente é a de não renunciar a nada, de aferrar-nos ao que conseguimos, a nossa maneira de pensar e de sentir, ao momento que estamos vivendo. Não nos damos conta do ilusório de acreditar que podemos deter a passagem do tempo e o despojo inevitável a que nos submete, porque é inerente ao devenir.

Renunciar, então, não é uma opção, mas o aspecto que define nossa relação com a vida. Nossa opção consiste em se estamos dispostos ou não a reconhecer essa renúncia e a viver de acordo com ela.

Situar-nos dentro da corrente da vida: atualização constante

Na medida em que renunciamos, movemo-nos ao compasso da corrente da vida, e nosso desenvolvimento não se detém.

Por certo que sempre quisemos manter nosso desenvolvimento, mas até que não nos demos conta de que desenvolver-nos implica necessariamente nossa própria renovação, e que nos mantenhamos nesse processo de renovação, confundimos renunciar com atos de sacrifício.

Ao assimilar a renúncia ao sacrifício, nós a entendemos como um processo de perdas. Em troca, ao compreendê-la como desenvolvimento, nós nos enriquecemos pela atualização constante que produz em nós.

Os trabalhos e as oferendas são nossa resposta às necessidades humanas. A renúncia é nossa aceitação do devenir. Como o caminho para a união divina passa através da participação com a humanidade e responde ao devenir, exige de nós, tanto oferenda como renúncia.

Dimensionar o valor e o alcance do que conhecemos

Em relação com o que compreendemos, renunciar implica avaliá-lo à luz de um juízo equânime; isto é, de um juízo imparcial.

Para ser imparcial, nosso juízo tem que se apoiar em nossa renúncia. Não sendo assim, seria influenciado por nossas tendências, preferências e, especialmente, pelas interpretações que incorporamos e que não estamos dispostos a tocar.

O valor do que já conhecemos consiste no fato de que não só nos levou até o ponto em que estamos em nosso desenvolvimento, senão que, além disso, mostra-nos o que nos falta realizar do que já sabemos.

O limite do que conhecemos consiste em que não nos pode levar além do que já sabemos.

O inamovível, o definitivo e o sujeito a revisão

Só através do juízo equânime do que conhecemos podemos discernir as diferenças que existem entre os conceitos que temos. Por exemplo, dentro do que sabemos, encontramos o que é inamovível, o que é definitivo e o que necessita revisão.

São inamovíveis as leis do sistema que nos rege. Por exemplo, as geradas pelo fluxo do tempo. Temos que ajustar-nos à lei de causa e efeito, a não poder reter o presente, a não poder mudar as leis naturais que regem nosso planeta e nossa vida.

São definitivos os fatos evidentes. Por exemplo, o fato de que, no âmbito da atmosfera terrestre, os objetos caem se não houver algo que os sustente (lei da gravidade). Estão sujeitas a revisão as conclusões que podemos tirar das evidências. Por exemplo, por que pensamos que os objetos “caem”.

Estes enunciados que aceitamos sem maiores reparos no que se refere ao mundo natural, não são de fácil aplicação à ordem espiritual. Uma vez que fazemos uma ideia relacionada com o espiritual aferramo-nos a ela como se fosse inamovível e a transformamos em nosso apoio, em vez de recordar que só a renúncia pode ser nosso apoio.

Ainda mais, adotamos opiniões e teorias sobre o que não conhecemos como se fossem verdades evidentes, sem dar-nos conta de que, se as fontes das quais essas teorias provêm fossem realmente seguras, todas elas coincidiriam em suas interpretações. Coisa que até agora não aconteceu.

Que fazer, então? Através de um juízo equânime distinguir o valor e a natureza do que acreditamos conhecer e basear nosso trabalho de desenvolvimento naquilo que não muda, nem com o tempo nem com a circunstância: a renúncia implícita no devenir. E tomar a decisão inamovível de viver de acordo com ela.

Necessidade de conhecer o passado e necessidade de reconhecer sua relevância no presente

Não poderíamos reconhecer como somos sem conhecer o passado que nos levou a ser tal como somos.

Para conhecer o passado necessitamos superar as tendências que temos a respeito dele:

• Apegar-nos ao passado, se este nos conforta. O apego nos ata a tal ponto ao que vivemos, que pode chegar o momento em que sejamos incapazes de distinguir nosso presente e o futuro a que estamos acedendo;

• Reagir contra um passado que nos fere. Esta reação nos pode levar, desde negar o passado (não reconhecê-lo) e a incapacidade de refletir sobre ele, até a tentativa de destruí-lo apelando para qualquer mudança que possa ocultá-lo; e

• Desprezar o passado. Esta atitude nos impede aprender da história e nos dá a ilusão de que estamos criando algo novo, quando, na realidade, estamos repetindo experiências já concluídas e superadas.

A relevância do passado consiste em que gerou o presente que estamos vivendo. Não podemos isolar este presente de sua história. Para distinguir em que medida estamos nos desenvolvendo necessitamos reconhecer em que medida estamos repetindo e em que medida estamos avançando.

Recordar somente não é suficiente para conhecer nosso passado; conhecer exige recordar, avaliar e concluir com um juízo equânime que resulte em atitudes e determinações.

O passo de determinar o que fazer sobre a base do passado dá validade ao juízo que podemos fazer dele: é sua verdadeira conclusão. Que valor teria nosso juízo se não nos servisse para determinar nosso rumo?

As ensinanças da história e as justificações baseadas na história: qual é a história?

Não conhecemos a história como foi, mas como nos foi contada e como continuamos a contá-la. Entre os fatos que a história registra, estão as justificações que dão desses fatos os que narram a história. Para conhecer a história, temos que separar os fatos das interpretações a eles acrescentadas, e avaliar esses fatos com a perspectiva que agora podemos alcançar, à luz das consequências da história e da informação e dos conhecimentos que adquirimos desde então.

O mesmo que fazemos com a história em geral, teríamos que fazer com nossa própria história. Cada vez que algo nos acontece fazemos um juízo sobre o mesmo, e tendemos a conservar esses juízos de tal maneira que, por mais tempo que haja passado desde os fatos, não mudamos nossa opinião sobre o ocorrido. Tal é a força dessas opiniões que poderia chegar a cobrir os próprios fatos e suplantá-los com a reação que produziram inicialmente em nós. Isto faria que, quando acreditássemos recordar nossa história, apenas estivéssemos revivendo nossas respostas ao que nos ocorreu em vez de contemplar os fatos tal como foram.

Para poder avaliar e aprender de nossa história temos que separá-la de nossas opiniões e olhar de forma concisa aquilo que nos aconteceu e os acontecimentos que produzimos.

Encontrar novas relações entre ideias, experiências e acontecimentos que acreditávamos ter compreendido totalmente: conhecimento atualizado

Ao desenvolver a capacidade de perceber a história e nossa própria história separadas das interpretações agregadas a elas, alcançamos liberdade para discerni-las e fazer um juízo atualizado sobre elas. É assim que descobrimos que temos a capacidade de voltar a aprender o que acreditávamos ter aprendido e a referir nossas compreensões a contextos cada vez mais amplos e ao tempo total da humanidade – em relação com sua história – e a todo o tempo de nossa vida, em relação com nossa história.

Ao não ceder à tendência de justificar nossa história, podemos corrigir nossos desacertos, equilibrar nosso ponto de vista e manter aberto e franco o processo de nosso desenvolvimento.

Julgar o que se deve esquecer

Julgar sem aferrar-nos a um passado já consumado.

Os eventos que mais se fixam na memória são aqueles que carregamos com fortes emoções e os que despertaram em nós juízos imediatos e categóricos. Essas emoções e esses juízos influem grandemente em nosso discernimento, pela associação espontânea que fazemos entre essas lembranças, e os sucessos e a informação que recebemos no presente.

O devenir consuma o passado, mas em nossa mente o passado não se consuma espontaneamente senão que tende a manter-se vivo, especialmente alguns fatos do passado. Cada vez que recordamos algo que nos impressionou com força, voltamos a viver o fato como se estivesse ocorrendo.

Esta forma de recordar o que passou, mais do que um apego, é uma reação inconsciente produzida por situações que não elaboramos suficientemente e que, por isso, não se transmutaram numa compreensão completa do que nos aconteceu.

Para poder julgar nosso passado com propriedade, temos que começar por julgar o que necessitamos esquecer dele.

Neste contexto, esquecer não significa apagar algo de nossa memória (como poderíamos fazê-lo sem desequilibrar-nos?) senão trabalhar as reações com que o carregamos para poder tecer a história só com os fatos como aconteceram.

Esquecer os juízos feitos

Muitos de nós habitualmente fazemos juízos imediatos sobre tudo o que acontece. Quanto mais força têm esses juízos, quando os fatos nos despertam fortes emoções! Nem sempre nos damos conta de que ao formar juízos com tanta rapidez não levamos em conta que geramos opiniões – não somente em nós, mas também em outros – sem ter informação suficiente sobre o que estamos julgando e sem dar-nos o tempo necessário para apreciá-los com uma perspectiva ampla.

A maneira de trabalhar sobre as reações associadas com os eventos da história é liberar esses eventos de energia emocional, até que nossas lembranças consistam numa descrição desapaixonada dos fatos. Distinguimos como “subjetivo” o que sentimos e pensamos a respeito deles e o deixamos atrás. Esta subjetividade passa a ser parte do passado, não parte dos fatos. Este é o contexto da lembrança “limpa” da história.

Esquecer agravos

Sentimo-nos agravados quando alguém diz ou faz algo que fere a imagem que temos de nós mesmos ou o conceito que os demais possam ter de nós. Ou quando fere nosso orgulho ou altivez.

Ambos os casos podem se referir a situações diferentes.

Se o que alguém faz ou diz implica que desconhece os direitos que temos como seres humanos, é válida nossa opção de defender-nos com as ações que correspondam, segundo os casos. Estes assuntos geralmente podem ser resolvidos aplicando o diálogo ou, de acordo com o caso, as leis vigentes.

Mas, quando nos deixamos levar pela suscetibilidade, interpretamos até comentários inocentes e acertados, como agravos.

Se acreditamos que alguém desconhece o valor que imaginamos ter, sentimo-nos feridos no que sentimos que somos. E como também é comum que acreditemos ser mais do que somos real- mente, sentimo-nos humilhados e reagimos emocionalmente. A reação produzida pelo sentimento de humilhação não se resolve facilmente, ainda que a situação criada se dilua. É comum que cada vez que recordemos o ocorrido, voltemos a sentir-nos ofendidos e reajamos com certa agressividade contra o causador do agravo. Quanto mais alto é o valor que acreditamos ter, mais pungente é nosso sentimento de humilhação e mais agressão (expressa ou encoberta) existe em nossa reação. Muitas vezes este sentimento de superioridade esconde uma grande insegurança.

Enquanto persistirem essas reações em nós, não poderemos recordar nossa história de forma equânime. Quando nosso orgulho está muito à flor da pele, não temos a capacidade de reconhecer se as observações que nos fazem são apropriadas ou não, e nossas reações estão mais carregadas com emotividade do que com discernimento.

Ainda que por nosso temperamento tendamos a reagir facilmente e de forma emocional ante o que uma contradição produz em nós, seria prejudicial para nós e para os outros que ficássemos nesse tipo de reação. Seria conveniente para nós, apelar com rapidez à nossa vontade para dominar-nos, e à nossa capacidade de discernir para fornecer mais dados que nos ajudem a entender melhor a situação criada, para poder determinar com serenidade o curso a seguir. Não sendo assim, nossas reações pelos eventos ocorridos produzem cortes em nossas relações com os demais.

Esquecer agravos, então, não consiste em “perdoá-los” mas em resolver os conflitos que nos fazem sentir agravados. Logicamente, perdoar é bom; mas, em muitos casos, ao perdoar adotamos uma atitude paternalista que nos faz sentir-nos acima daquele a quem perdoamos e não aprendemos nada da experiência. Resolver um conflito com alguém, em troca, fortalece nossa união com a pessoa contra a qual reagimos inicialmente. Resolvemos esses conflitos melhorando nossa comunicação, em vez de cortá-la com aqueles que acreditamos que nos provocam, já que temos boa par- te na geração de nossos conflitos. Isto pode ser feito facilmente se procedemos com humildade, sinceridade e desapaixonadamente.

Esquecer penas

Neste contexto, chamamos penas às dores e dificuldades que sofremos na vida. É evidente que não podemos fazer com que a vida seja uma série de conquistas fáceis e de experiências sem sofrimento. Por um lado, mesmo fisiologicamente, estamos condicionados para sentir dor; por outro, o devenir nos apresenta situações que nos fazem sofrer. Além disso, viver requer uma série de esforços; quando estes têm que ser grandes ou continuados, nós os chamamos dificuldades.

Cada vez que sofremos – e é raro o dia em que não soframos por algo – somamos à dor que sentimos, a pena por estar sentindo isso. Se nos deixássemos levar pelo pessimismo, poderíamos reduzir a lembrança de nossa vida à de uma série de sofrimentos. Quando fazemos isto, também encaramos o presente e visualizamos o futuro da mesma maneira. Numa palavra, queixamo-nos – expressamos nossa pena – pelo fato de que a vida seja como é.

Na medida em que contemplamos especialmente o lado doloroso de nosso passado, não podemos visualizar a vida em sua totalidade e em sua unidade, e a felicidade escapa de nossas mãos.

Cada passo que damos em nossa vida requer de nós esforço e gasto de energia. Esse esforço e esse gasto são os que permitem adiantar-nos. Se somente prestássemos atenção ao quanto nos custa dar cada passo, não poderíamos discernir nem o caminho que percorremos nem para onde estamos indo.

Esquecer as penas significa extrair e aproveitar seu conteúdo. Numa palavra: significa aprender delas.

Cada pena que sofremos encerra uma ensinança. Seria improdutivo que, depois de ter sofrido, ficássemos somente com a dor e perdêssemos a ensinança implícita na situação que a produziu.

Ao esquecer as penas e recordar a essência das experiências nosso passado transforma o que poderia ter sido uma série de lamentos na felicidade de aprender a viver e a desenvolver-nos.

Esquecer rancores

Poderíamos dizer que o rancor é o desgosto que arrastamos ao longo do tempo. De certa maneira, o rancor está associado à vingança. O sentimento agressivo que mantemos para com quem provocou nosso desgosto é a arma que usamos como represália.

Na realidade, o rancor é a expressão de um conflito não resolvido, pelo menos em quem sente rancor. Por isso dissemos que é um desgosto “arrastado”. O que temos que arrastar atua como um freio que obstaculiza nossa marcha. A particularidade do rancor é que não requer que recordemos algo para senti-lo; sempre está em nós, vivemos com ele. É uma ferida que mantemos aberta de forma deliberada, porque é nossa vontade que seja assim: impregna nossa intenção.

O rancor nos ancora em situações já passadas. Podemos haver-nos sentido feridos alguma vez por um acontecimento; mas, depois, já não é o acontecimento que nos fere, senão que nós mesmos somos os que nos ferimos por algo que já acabou. Como, ao fazê-lo, boa parte de nossa atenção fica fixa num momento já superado pelo tempo, sentir rancor implica em que resistamos a devenir.

Quando somos propensos ao rancor, acumulamos rancores e, sem dar-nos conta, nós os transformamos num ressentimento generalizado. Não atinamos a compreender que é inevitável que os fatos da vida nos afetem de uma maneira ou de outra e que, na realidade, não estamos reagindo contra pessoas, mas que estamos ressentidos com a vida.

Esquecer rancores significa gerar um acordo positivo com a vida. Todo adiantamento tem um custo; na vida, esse custo se expressa em dores de tipo diverso, umas produzidas pelas circunstâncias, outras pelas pessoas. Não teria sentido entrar em acordo com umas e não com outras. E não só entrar em acordo, mas manter um acordo positivo, de maneira que nossa relação com todos os aspectos da existência, promova nossa participação real e efetiva no processo do desenvolvimento humano.

Esquecer triunfos

Dizemos que triunfamos quando conseguimos o que nos havíamos proposto. Cada um de nossos triunfos aumenta nossa autoestima e melhora a nossos olhos, a imagem que acreditamos dar para os demais. Se nossa imagem nos preocupasse demasiadamente, em vez de concentrar-nos em adiantar-nos, nós nos encantaríamos com o que tivéssemos alcançado.

Assim como o rancor nos ancora no passado, assim também a fixação em nossos triunfos nos pode ancorar no passado. Podemos superar este risco sendo sinceros conosco mesmos: não há para nós triunfos definitivos mas etapas a percorrer. Cada triunfo é só um degrau que temos que usar para continuar nosso desenvolvimento.

O resultado real de nossos triunfos está fundamentado no que recebemos da sociedade, de nossos familiares, de nossos amigos e professores; no que somos e na forma como respondemos aos desafios de nosso presente. Se nos vangloriássemos do que conseguimos, fixaríamos nosso olhar em trechos já percorridos; além disso, seríamos ingratos ao não reconhecer tudo o que recebemos. Assim como não quereríamos voltar a comer algo já comido, também teríamos que aprender a não querer voltar a andar sendas já terminadas.

Esquecer nossos triunfos significa validar os que nos ajudaram e sustentaram, virar a página do ontem, apoiar-nos no que aprendemos para partir dali, concentrar-nos no desafio de realizar o ideal que orienta nossa vida e ter um grande sentido de responsabilidade e agradecimento por tudo o que nos foi dado.

Esquecer nossos esquemas mentais

Nossos esquemas mentais são a representação da realidade que adotamos.

É claro que necessitamos de esquemas para poder avaliar e entender o que percebemos. Mas, para entender de que forma entendemos, necessitamos descobrir, não só como são nossos esquemas, senão, como os formamos. Só assim poderemos reconhecer em que medida continuam sendo válidos.

É possível que nossos esquemas mentais sejam diferentes daqueles que nossos pais tinham, e com certeza, são diferentes dos de nossos avós. Não duvidamos disso. Tampouco duvidamos da temporalidade dos esquemas de gerações passadas. No entanto, não reconhecemos com a mesma facilidade a temporalidade dos esquemas que adotamos e sobre aqueles em que baseamos nossos juízos. Se não nos atrevermos a reavaliá-los corremos o risco de assentar nossos esforços sobre dia- gramas já obsoletos.

Não podemos pretender ampliar nossa consciência e, ao mesmo tempo, confirmar a interpretação produzida por esquemas obsoletos. É indubitável que o resultado de ampliar nosso estado de consciência é uma nova interpretação da realidade, e temos que manter-nos dispostos a isso.

Esquecer nossos esquemas mentais significa contextualizá-los no fluxo da história. Ao fazê-lo, alcançamos liberdade para ir renovando nossa interpretação das coisas.

O devenir, a mudança por veleidade ou pelo desejo de variar e as mudanças que respondem a nossa necessidade de desenvolvimento

Aceitar a necessidade de renovar nosso ponto de vista pode induzir-nos a confundir as novidades com o que é valioso.

A novidade nem sempre implica um adiantamento. Através da história aparecem novos estilos de falar, de vestir, e até estilos de viver, de pensar e, mesmo, de avaliar. De tudo isso que é novo, só perdura o pouco que é valioso. Isto é, o que significa um adiantamento. O “quid” desta situação está em saber discernir um do outro.

O que é somente moda atrai pela pressão do meio. O que é valioso, nem sempre atrai porque, como todo adiantamento, implica reflexão e tenacidade.

Recordemos que, na vida espiritual como no mundo físico, o mais fácil e espontâneo é a entropia, o que seria para nós retroceder em vez de desenvolver-nos. Cuidemo-nos, então, de relaxar nossa atenção e de deixar-nos levar não só por pressões alheias a nossa vocação, mas por nossa própria tendência a pretender avançar sem fazer esforços para isso.

A mudança que nos beneficia é a que expande o nosso estado de consciência.

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