Transmutar

Transmutar é a chave que encerra o processo sintetizado nas nove primeiras palavras com que descrevemos o desenvolvimento espiritual.

O que implica transmutar para nós, em nossa situação atual? Implica centrar nosso trabalho espiritual em identificar o enfoque personalista com que vivemos e substituí-lo por uma consciência de participação universal. O enfoque com que encaramos nosso ideal espiritual e, consequentemente, nossa vida, baseia-se sobre suposições prévias, a maioria das quais não é explícita para nós.

Uma suposição prévia, que geralmente se oculta por trás de nossas racionalizações, é a de que somos pessoas separadas e independentes das demais. Baseamo-nos mais em nossa percepção sensorial do que em nosso discernimento. Para nossos sentidos, somos separados: vemo-nos uns aos outros com limites definidos e características próprias. Além disso, não percebemos direta- mente que o que o outro faz em sua casa influi sobre o que nós fazemos na nossa. Não sentimos que seja necessário antecipar sempre as consequências que nossas ações produzirão em outros e no meio.

É assim que outorgamos a nós mesmos uma margem muito elástica de liberdade para decidir como viver, sentir e pensar. Quando temos um desejo veemente, esticamos ao máximo essa margem e supomos que podemos viver a nosso capricho no mundinho em que queiramos encerrar-nos. Ainda que intelectualmente admitamos a influência que exercemos sobre os outros e o meio, nossos impulsos e desejos particulares fazem com que, na prática, prepondere a suposição – implícita em nossas atitudes habituais – de que temos uma vida à parte e, por isso, independente.

Esta tendência se expressa também em nosso trabalho espiritual. Sentir-nos separados nos leva a enfocar nosso desenvolvimento e o adiantamento humano de forma personalista. Importa-nos, sobremaneira, quanto benefício pessoal conseguimos com o que fazemos, e medimos nosso adiantamento segundo vamos alcançando nossas metas particulares; definitivamente, nossa felicidade pessoal. Reduzimos nosso trabalho espiritual ao que pensamos que temos que fazer para conseguir um triunfo espiritual próprio. Em consequência, centramos nossa intenção e atenção a tal ponto sobre nós mesmos, que a importância que atribuímos ao que ocorre ao nosso redor depende de como afete a nós mesmos e ao que nos interessa.

Apesar de que a informação que já temos nos dê uma visão grandiosa do universo na qual cada parte opera em harmonia com todas as demais, vivemos atentando contra nossa própria sobrevivência: agrupamo-nos por conveniência e mantemos lutas competitivas para conseguir preponderância dentro de nosso grupo e preponderância deste sobre os demais grupos, apenas atenuadas pela intenção, mais teórica do que prática, de procurar o bem de todos.

Como impulsionar o processo de transmutação do enfoque personalista num enfoque mais universal, que expanda nosso estado de consciência? Através da ação.

A ação se baseia sobre uma filosofia de vida e se expressa numa conduta. Nossa filosofia de vida parte do reconhecimento de que cada ação nossa é sempre uma interação múltipla que gera inumeráveis interações através das incontáveis linhas da rede da vida. Somos em participação e aplicamos essa consciência a um trabalho interior sobre a atitude e a intenção.

Trabalhamos de forma integrada em função do bem comum. Aplicamos à nossa conduta nossa consciência de participar num sistema de interações múltiplas. Participar é sentir e saber que somos parte inseparável de tudo o que existe, e atuar de forma consequente. À medida que consigamos sentir, saber e atuar desta maneira poderemos transmutar nossa noção de ser separados numa consciência de participação universal.

O trabalho integrado e em equipe é um aspecto da relação que nos ajuda a conseguir esta participação: move-nos a transmutar a relação personalista – baseada na competição interesseira e separatista, com suas frequentes discussões agressivas e críticas ferinas – numa relação integradora com significado compartilhado. Todas as ações produzem consequências que nos afetam, tanto a nós como a todo o conjunto. Deste ponto de vista, todas as mensagens implícitas em nossas ações chegam a nós; mas nem sempre as percebemos ou sabemos interpretá-las. É por isso que resulta difícil para nós compartilhar significado. Por um lado, não somos conscientes de todas as mensagens que damos e das que recebemos; por outro, por nosso sistema de defesa e reação, costumamos desvirtuar o significado das mensagens que recebemos, mesmo das explícitas. Só em momentos de grande empatia nos abrimos a uma compreensão profunda.

Enamoremo-nos da liberdade que nos dá superar os limites nos quais nos encerra a ignorância que alimentamos com nosso egoísmo. Reconheçamos a interrelação da grande trama da vida e impulsionemos nossa noção de ser pelas linhas de sua rede. Reconheçamos a necessidade de atuar de forma ajustada, procurando sempre o bem comum, que sempre será nosso próprio bem. Encaremos nosso desenvolvimento como um processo de transmutação de consciência em ato, e de ato em consciência, de acordo com o antigo aforismo: “fazer da mente, matéria e da matéria, mente”. A experiência se derrama em ação e a ação devém em experiência; a experiência da ação amplia o estado de consciência; este se expressa em ação, e assim sucessivamente.

Transmutemos, então, nosso sentido de participação em trabalho integrado e em equipe, e o trabalho integrado e em equipe numa consciência de participação.

Comecemos por mudar nossas reações automáticas por uma forma de atuar deliberada que se expresse em:

• Validar em vez de desqualificar;

• Cooperar em vez de rivalizar;

• Compreender em vez de discutir;

• Ajudar em vez de censurar e zangar-se;

• Incorporar em vez de excluir ou excluir-se

• Ampliar o ponto de vista em vez de criar separatividade.

Quando transformarmos em hábito estas respostas deliberadas, teremos começado a transmutá-las em significado compartilhado. O compartilhar significado nos dará compreensões mais profundas da renúncia e nos abrirá o caminho rumo à consciência de ser em participação.

Completar esta transmutação é a realização espiritual imediata que podemos alcançar, um bem que é indispensável que doemos à humanidade nesta etapa de seu desenvolvimento.

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