Memória, entendimento e inclusão

Quando só tomo notícia de algo e não o incluo no contexto que tenho ativo em minha consciência, é algo “que acontece”. Posso pôr esse fato de lado ou esquecê-lo, sem que me sinta afetado por isso. Em troca, quando algo sucede dentro desse contexto ativo, isso “me ocorre”, e me sinto afetado.

O contexto que tenho ativo em minha mente se caracteriza não só por sua extensão – quanto abarca – mas também por seu conteúdo. Em meu contexto há uma infinidade de dados. Registro-os temporariamente; depois, com o tempo, tendem a se apagar, a menos que me tenham impressionado ou afetado. Por isso, a qualidade do conteúdo depende do que realmente me interessa. Se meu interesse se centraliza em minha pessoa, posso pôr de lado e esquecer tudo o que sentir que não me afeta diretamente. E, do que não me afeta, aceito o que coincide com minhas opiniões. Se algo deprecia a imagem que quero ter, rejeito-o ou o desnaturalizo com justificações; dessa maneira perco as ensinanças que necessito aprender.

Necessito reconhecer minhas justificações para poder pô-las de lado e recordar as coisas como realmente foram e continuam sendo, especialmente se não me agrada o que vejo em minha conduta, ou se confronto minhas opiniões com outras diferentes. Também necessito dar validade ao que recordo ou enfrento – reconhecer o óbvio de sua existência – e, partindo dali, reconstruir a visão que tenho de mim e das coisas. A vida diária me mostra inúmeros exemplos meus e de outros nos quais apelo para justificações para não reconhecer os fatos tal como são.

Viver é ser num contexto; viver implica que tenho um compromisso implícito com tudo o que me relaciono. Este compromisso implícito é a base da relação que tenho com todas as coisas. As experiências de minha vida são possíveis, precisamente, por esta relação. Sem relação não é possível uma experiência, e sem experiência não há aprendizagem. Cada fato que percebo é uma experiência para mim. Se só o registrasse sem validá-lo ou justificando-me, estaria desperdiçando o que vivi.

Validar o que percebo, move-me a me fazer responsável pelo que vivo. Expresso minha responsabilidade de forma deliberada e explícita: em minha maneira de pensar, de sentir e de atuar no presente.

Posso entender algo sem que por isso me comprometa com o que entendo. Quando revejo minha própria história posso entender as razões de tudo o que me ocorreu. Esse entendimento pode esclarecer minha situação presente. Mas para que este esclarecimento dê resultados positivos em meu desenvolvimento tenho que ser eu mesmo quem determine o curso de minha vida, apoiando-me no que entendo e comprometendo-me com meu presente. Necessito conhecer meu passado para compreender meu presente; assim sei como cheguei aqui. Para realizar o objetivo de minha vida tenho que estar disposto a retificar esse rumo cada vez que for necessário. Entender meu passado é minha base para compreendê-lo e continuar adiante, não para desculpar-me.

Compreender implica reconhecer que o que entendo me compromete pelo simples fato de sabê-lo – tudo o que percebo é de meu mundo, não de um mundo estranho. O mesmo me acontece com meu próprio passado. Recordo eventos, narrativas, coisas que aconteceram comigo. Nem sempre entendo algo novo quando examino novamente minha história. Se antes culpei alguém por algo que me aconteceu, quando volto sobre esse acontecimento reforço a mesma conclusão. Isto me mostra que não aprendi nada novo sobre mim mesmo durante o tempo que vivi desde então. Aprender, neste caso, não se limita a acrescentar conhecimento ao que sabia; é desenvolver minha atitude ante o que agora sei. Neste caso, esse desenvolvimento implica passar de minha atitude defensiva a assumir totalmente a responsabilidade do que vivi e da maneira como vou encarar a vida de agora em diante.

Compreendo quando entendo e participo. Em outras palavras, incluo em minha consciência, validando sem justificações, o que percebo e entendo. Isto influi de forma determinante em minhas decisões, em minha forma de atuar e de me relacionar. Recordar o passado, entender o que aconteceu e o que está acontecendo – e o que me está acontecendo, e incluir-me no que percebo e entendo, leva-me a comprometer-me e a participar de um entorno maior do que o que abarcava até agora. E a fazer-me responsável por minha vida em relação com os que me rodeiam e com o mundo em que vivo.

O compromisso com aquilo que aprendemos

Nossa vontade de comprometer-nos mostra nosso amor à liberdade. É comum interpretar o compromisso como uma limitação que prejudica nossa liberdade. Não obstante, não é assim. Pelo contrário, nossa capacidade para comprometer-nos mostra em que medida contamos com liberdade.

Todos os aspectos da vida respondem a leis: os corpos celestes, a natureza que conhecemos na Terra e também nós mesmos. Em que consiste, então, nossa liberdade? Em nossa capacidade para aplicar nosso conhecimento, nosso discernimento e nossa vontade para escolher e realizar objetivos que promovam nosso desenvolvimento. No contexto de nossa vida, nosso objetivo é nosso desenvolvimento. O desenvolvimento nos leva rumo ao que não conhecemos. Por isso, abrimos nossa mente ao desconhecido e concentramos nosso propósito em desenvolver-nos. Este propósito nos fixa metas claras em nossa maneira de responder às demandas da vida em todas as áreas de nosso sistema de relações. Alcançamos liberdade na medida em que mantemos vigente nosso objetivo de desenvolvimento e somos consequentes com ele. Para que isto seja possível necessitamos comprometer-nos com esse objetivo. Este compromisso implica subordinar nossas decisões, nossa conduta, nossa energia, ao fim que escolhemos.

Mantemos nossa liberdade na medida em que somos fiéis a nosso compromisso, porque isso é o que decidimos e necessitamos efetuar. Se quebrássemos essa decisão, anularíamos o exercício de nossa liberdade e retrocederíamos para o ponto do qual partimos. Mas se desde esse ponto de retrocesso quiséssemos conseguir algo, teríamos que usar novamente nossa vontade, limitar-nos e concentrar nosso esforço no que buscamos; isto é, teríamos que voltar a começar.

Uma vez que tenhamos compreendido isto, nossa fidelidade a nosso compromisso toma força de nosso amor a nossa liberdade: liberdade para discernir, escolher e realizar o que nos propomos de forma efetiva; para não repetir, para romper o círculo vicioso de ceder ante um desejo e voltar a começar, desperdiçando nossa vida e aumentando nosso sofrimento.

Reflexão e autocontrole

“A reflexão nos ensina as mudanças que temos que fazer em nossa conduta para que corresponda ao que vamos compreendendo.”

“O autocontrole nos permite dominar nossos pensamentos e nossos impulsos para poder atuar de acordo com o que discernimos.”

Nossas compreensões não se mantêm sempre presentes em nossa consciência. Novos interesses, desejos, questões que requerem nossa atenção, deslocam para um segundo plano o que compreendemos. Para manter vigentes nossas compreensões necessitamos refletir sobre elas: trazê-las de volta a nossa memória e considerá-las com detenção.

O autocontrole se baseia sobre uma atitude oposta à de reprimir. Para adquirir domínio sobre nós mesmos, necessitamos tomar plena consciência do que sentimos e pensamos e dos impulsos que nos movem. Isto implica que os aceitemos e que usemos nossa vontade sobre eles, para orientá-los de acordo com o rumo que decidamos seguir com nossa conduta.

Quando sabemos conduzir um veículo somos livres para ir para onde quisermos; o veículo responde a nossa vontade. Da mesma maneira, para ser livres, temos que aprender a manejar-nos de maneira que a trajetória de nossa vida seja a que escolhemos.

Por isso, não temos que imaginar o autocontrole como uma ascética de mortificação, mas como o meio mais simples e eficaz para reservar as energias de que necessitamos para ter domínio sobre nossas vidas. Na medida em que alcançamos autocontrole desenvolvemos confiança em nós mesmos, essa segurança interior que nos faz sentir que, aconteça o que acontecer, seremos capazes de realizar nosso destino.

Hábitos consequentes

Compreender o que ocorre – e o que nos ocorre – é a base sobre a qual definimos o curso que necessitamos seguir e sobre a qual aplicamos nossa vontade para manter-nos nesse curso.

É fundamental, então, recordar que nosso desenvolvimento se assenta sobre estes dois pilares: compreender e aplicar o que compreendemos. Se não nos esforçamos para pôr em prática o que compreendemos, vamos perdendo confiança em nós mesmos e, para escapar de nossa contradição, produzimos a dissociação entre o que pensamos e o que fazemos.

A conduta prudente é a aplicação do discernimento e da vontade num operar sistemático e consequente com o que compreendemos. Quando a conduta prudente se faz hábito, a compreensão se transforma em saber. Nossas ações deliberadas se fazem hábito e esses hábitos se transformam em nossa maneira de ser, a forma em que expressamos operativamente nosso estado de consciência.

Saber

Cada compreensão abre um campo potencial de nosso desenvolvimento; conquistamos esse campo através de uma conduta conforme com o que compreendemos e também com os princípios sobre os quais baseamos nossa vida e que sustentam nossa vocação espiritual.

Isto exige de nós vontade concretizada em esforço perseverante e define nossa ascética de renúncia. Deste ponto de vista, renunciar é não atar-nos ao que vamos compreendendo, mas basear-nos nisso para seguir adiante abrindo novos campos para nossa compreensão. E também é dominar nossa mente e nossos sentimentos para conduzir-nos de acordo com o que compreendemos. Diferentemente da compreensão, que é temporária, o saber é permanente: não se esquece, não decai, não se perde e, sobretudo, atualiza-se. Não há um saber único e definitivo; nosso saber atual é só o fundamento do saber mais amplo e profundo para o qual nos leva nosso desenvolvimento.

Não há saber que não se assente sobre outro, precedente, e não há saber que não possa se expandir quando se renuncia a possuir a verdade. Contamos com um saber que já adquirimos através de nossos esforços e experiências. Evidenciamos esse saber através das formas como nos expressamos espontaneamente. Vemos assim que cada pessoa mostra um diferente grau de saber; o que alguns creem sensato, outros podem achar absurdo. Isto nos diz que a sabedoria não é um conteúdo final e estático que temos que adquirir, senão que o vamos desenvolvendo na medida em que transformamos nossas compreensões numa conduta espontânea, coerente com elas.

Querer

Para desenvolver-nos temos que nos decidir a querer o desenvolvimento acima de qualquer outra coisa; só desenvolvendo-nos podemos discernir o que realmente necessitamos. Além disso, é através de nosso desenvolvimento que podemos realizar as outras coisas que necessitamos alcançar.

Esse querer se baseia em nossa compreensão do que realmente ansiamos em nossa vida e da firmeza de nossa decisão para sustentar uma conduta consequente com o que vamos compreendendo. E consiste em aplicar toda a força de nossa alma num único ponto: a realização de nossa vocação. Essa força nutre nossa vontade e canaliza firmemente os pensamentos e os sentimentos que sustentam nosso atuar.

Como desenvolvemos esse querer que alimenta nossa vocação espiritual?

• Observando nossa situação e decidindo sem demora o que vamos fazer com nossa vida, qual é nosso objetivo nela e o que vamos fazer para realizá-lo;

• Mantendo-nos conscientes de nossa resolução para não distrair-nos de nosso propósito e demorar nossa ação com desculpas;

• Reordenando nossas prioridades em função do objetivo que escolhemos;

• Tomando medidas concretas para efetuar o que nos propusemos.

É fundamental que procedamos desta maneira; não sendo assim, por mais forte que seja nosso querer num dado momento, ir-se-ia debilitando até reduzir-se a um sonho esquecido. Se não respondemos com determinação ao que esse querer requer de nós, não poderemos alcançar plenitude em nossa vida.

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