Reconhecer o discurso interior para comprometer-se

A mística do coração se baseia sobre a fixação interior. O primeiro obstáculo que encontramos para alcançá-la é nosso permanente discurso interior. Os estímulos que produzimos com nossos impulsos, desejos e objetivos, e os que recebemos dos outros e do meio mantêm o discurso. Por sua vez, este condiciona nossas respostas a esses estímulos. É assim que nosso discurso interior afeta todas as nossas relações.

O discurso interior é intelectual e emocional. É intelectual porque a mente discorre sem cessar argumentando, respondendo, associando. É um discurso emocional porque, por um lado, cada argumento gera uma emoção e, pelo outro, cada emoção, especialmente se for intensa, desencadeia uma argumentação sem fim.

É fundamental identificar e controlar esse discurso para superar nossa dependência dele; não sendo assim não poderíamos alcançar nossa individualidade.

A maneira de consegui-lo é fazendo silêncio interior. O silêncio nos permite perceber a mensagem dos demais e nos abre a porta rumo à participação com todos e com tudo.

Os obstáculos do discurso interior

Estamos tão identificados com o que pensamos e sentimos que não nos damos conta de que existe em nossa mente um discurso que opera por si mesmo, como se fosse automático, o qual seguimos sem nos darmos conta de que muitas vezes nos domina. Quantas vezes quiséramos pensar em outra coisa, ou sentir de forma diferente da que estamos sentindo, sem consegui-lo? O primeiro passo para controlar esse discurso é tomar distância e reconhecê-lo.

Além disso, temos que reconhecer a influência que esse discurso tem sobre nós, já que motiva nossas decisões e gera nossas ações.

Segundo seja o discurso que estamos desenvolvendo, podemos ser entusiastas, participativos, ou apáticos, indiferentes; mostrar-nos tolerantes ou irritadiços; podemos mostrar grande interesse ou ensimesmar-nos e isolar-nos do que nos rodeia.

Reconhecer nosso discurso interior não é suficiente para superar nossa identificação com ele e conseguir controle sobre nossa vida, necessitamos controlá-lo.

Para controlar o discurso interior necessitamos, além do esforço da vontade, verificar sua incidência em nossas relações. Necessitamos, então, prestar atenção sobre como esse discurso afeta nossa relação com todos os demais aspectos de nossa vida, inclusive nossa relação com os demais.

Fazer silêncio para sublimar o discurso interior

Nosso discurso interior é nossa resposta automática aos impulsos interiores e aos estímulos que vamos recebendo; é nossa resposta no sistema ação-reação que o viver implica.

Com esse discurso expressamos nossa tendência à autoproteção, a autojustificação e, em contrapartida, à agressão. Esta atitude faz do discurso interior um monólogo no qual só escutamos nossa voz, nosso ponto de vista, nosso desejo, e gera uma permanente postura defensiva.

Necessitamos reconhecer que os estímulos que vamos recebendo expressam uma contínua mensagem dos demais e da vida em geral que tenta penetrar em nós, em vez de reagir diante deles e criar um discurso que nos aturde. Para receber essa mensagem deve-se baixar o volume de nosso discurso interior e refugiar-nos no silêncio interior de nosso coração. Somente fazendo silêncio interior podemos abrir-nos aos demais e a todos os fenômenos da vida e os vamos incorporando a nós: participamos.

Silêncio interior é participação

A solidariedade, a ajuda mútua, a assistência aos demais, são passos indispensáveis que nos conduzem à participação. Mas só o silêncio interior produz em nós uma participação real e perdurável.

Para participar deve-se começar por admitir os demais dentro de nós. Se nosso mundo interior está cheio com nosso próprio discurso, não há lugar para nada mais do que para nosso monólogo; um monólogo que não admite réplica alguma por nossa atitude defensiva.

A maneira de fazer lugar para os demais e para as mensagens que recebemos através do que acontece conosco e do que acontece é fazendo silêncio em nosso interior. Sem ele, nossa ideia de participação seria um produto de nosso discurso, e não de uma integração com os demais e com o meio em que vivemos.

Quando compreendemos isto, nos damos conta de que o silêncio interior é a porta que conduz para a Mística do Coração.

Desenvolver é aprender

Expandir o estado de consciência é incorporar à nossa consciência conteúdos da realidade que antes não tinham nem significado nem realidade para nós e que, portanto, não reconhecíamos como uma realidade inseparável do que somos.

Cada avanço em nosso desenvolvimento implica uma revisão e uma nova compreensão daquilo que acreditávamos saber e a incorporação de um aspecto mais da realidade à nossa noção de ser. A segurança que buscamos no “já sei” frei nossa aprendizagem; isto é, nosso desenvolvimento humano. Faz-nos mudar a atitude indagadora e atenta que propiciou nosso desenvolvimento pela defensiva que nos entrincheira no que acreditamos ter conquistado para sempre: nossas verdades.

Dizemos que freia nosso desenvolvimento integral porque nos referimos a tudo o que somos, não somente às capacidades específicas que podemos desenvolver. Se bem que já tenhamos admitido que necessitamos continuar aprendendo diversas disciplinas ao longo da vida, não nos é claro que também necessitamos evoluir em nossa postura ante a vida, ante os demais e ante nós mesmos.

Nossas ideias feitas nos falam continuamente, induzem-nos a julgar segundo seus padrões e a colocar tudo em arquivos pré-estabelecidos. É certo que não poderíamos viver se não contássemos com referências para avaliar o que ocorre; o problema consiste em que transformamos com facilidade o que são só referências em marcos fixos, à prova de qualquer tentativa de evolução.

Quando fazemos silêncio interior e atendemos, nossas ideias feitas mostram o que são: quadros que descrevem um instante de nossa história, necessários como pontos de referência para continuar adiante.

O silêncio interior mantém claro este discernimento. Alcançar silêncio interior é como tirar a venda dos olhos de nossa consciência. É levantar as telas que fabricamos para cobrir nossa vida e olhá-la tal como sabemos que é: mudança, finitude. Só então podemos avançar mais no mistério da vida, aprender, abrir novos campos para a expansão da consciência.

Escutar e comprometer-se

Escutar significa validar o que nos chega. O que recebemos é mais do que informação, é a resposta à nossa interação com os demais e com o mundo em que vivemos. Escutar é reconhecer essa resposta e transformá-la em retroalimentação.

Retroalimentar-nos significa modificar ou corrigir nossos sentimentos, pensamentos, atitudes, palavras e ações de acordo com as respostas que produzem. Esta é a maneira em que aprendemos e nos desenvolvemos espiritualmente.

O efeito de escutar é comprometer-nos. As mensagens que recebemos não são dados inertes senão que é a vida que entra em nós. Cada mensagem é uma requisição que demanda de nós uma atualização. Nossa capacidade para responder a essas demandas define o grau de nosso compromisso total com a existência: com o mundo, com as almas, com nós mesmos.

Na Mística do Coração, escutar vai além de registrar o que outro nos diz e o que vemos. Escutar é receber o outro e o que vemos. Com silêncio interior criamos o espaço para receber. Se esse espaço não existisse, o que outro diz rebateria contra o que nós dizemos; o que percebemos colidiria contra nossas ideias do que significa o que ouvimos e vemos.

Com o escutar enchemos de realidade o espaço criado pelo silêncio. Essa realidade é formada por todos os seres humanos — cada um deles — e por todos os aspectos da vida.

Na relação com os demais, escutar significa ouvir e acompanhar, incorporar em nós a realidade do outro, sem julgá-lo nem intrometer-nos em sua vida. A partir daí podemos compreendê-lo. Escutar é compreender desde o ponto de vista do outro.

Quando nos centramos somente em nós e no que queremos conseguir, ignoramos, como se não existissem, as consequências de nossa forma de viver nos demais e em nós mesmos.

Não observamos o que estamos fazendo. Os problemas que nós padecemos e que afetam os outros nascem de nossas ambições e ilusões que manejam nossa conduta, a qual, por sua vez, gera situações que, por falta de observação de nossa parte, não ligamos com sua origem: nossas ambições e ilusões.

Aprender a escutar é indispensável para evitar embater-nos com o próprio egoísmo com que ferimos os que nos rodeiam. Aprender a escutar é usar nossa capacidade de silenciar e dar atenção ao que chega a nós através dos demais (suas respostas e reações a nossas ações) e do meio em que vivemos, a Terra (suas respostas e reações ao que fazemos sobre ela).

O fazer silêncio, o escutar e o participar nos conduz a comprometermo-nos com o que vamos incorporando a nossa consciência. O compromisso com nós mesmos se transmuta no compromisso com tudo o que existe.

Ao dar espaço em nós para a totalidade do que percebemos — e para o mistério que desconhecemos — tudo é em nós.

Comprometer-nos implica fazer nossas as dificuldades dos demais e também as nossas e encarar nossa vida de maneira que conduza a resolvê-las, tanto na ordem individual como na coletiva.

Escutar e comprometer-nos são duas faces de uma mesma coisa. Se escutamos nos fazemos responsáveis, comprometemo-nos; se nos comprometemos temos que escutar. É assim que o silêncio, o calar e o escutar nos demandam responder com tudo o que somos. E nossa resposta é a verdadeira mensagem que transmitimos, nossa obra real para as almas e o mundo.

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