Esperança e liberdade interior rumo ao plano divino

Ter esperança é, basicamente, confiar no Plano Divino. Esta confiança faz com que mesmo os momentos dolorosos não sejam obscuros, já que confiamos em que a lei que nos rege é para nosso bem e promove nosso desenvolvimento, em todos os casos.

Ter esperança – isto é, estar abertos ao desconhecido – permite-nos descobrir a ajuda que sempre recebemos nos momentos difíceis e que pode vir de forma diferente de como a pretendemos.

Ter esperança nos move a reconhecer o bem que temos em nós mesmos e que nos permite continuar adiante. É descobrir como cada dia é um novo começo, com sua noite e seu amanhecer.

A esperança sempre é válida e nos sustenta mesmo quando nós mesmos somos os causadores de nossos sofrimentos. Precisamente, a dor produzida por nossos erros – se nos mantemos abertos a essa ensinança – é o que nos permite aprender e reconhecer sempre o caminho certo. Reconhecer este fato consolida nossa esperança.

Cada instante nos oferece novas oportunidades. Por isso, quando as circunstâncias não se apresentam como teríamos desejado, em vez de fechar-nos a passagem, resistindo ou abatendo-nos, geramos uma atitude aberta e confiante rumo ao futuro. O maravilhoso do presente é que sempre nos deixa caminho aberto para diante. Qualquer que seja nosso destino, seguramente será proveitoso para nós e para a humanidade. A esperança é, por isso, uma porta aberta ao devenir; concentra-nos em realizar nossa vocação enquanto nos mantém abertos a aprender de todas as circunstâncias, dolorosas ou felizes, que se nos apresentam na vida.

Desta maneira, em vez de apoiar-nos sobre expectativas criadas por nós mesmos, apoiamo-nos na confiança de que tudo o que acontece nos orienta para a realização de nossa vocação espiritual. Mas é óbvio que para dar frutos reais a esperança tem que vir acompanhada de ações consequentes com a vocação que nos move. Além disso, estas ações devem manter uma ordem e ter continuidade: devem constituir uma ascética. A ascética que deriva da esperança é a Ascética da Renúncia.

Liberdade Interior

Nosso esforço ascético se centraliza na busca de liberdade interior. Esta liberdade expressa-se especialmente no juízo equânime. E se concretiza em nossa capacidade de efetuar o que discernimos que temos que fazer, de acordo com esse juízo.

A liberdade interior não nos livra de sentir tristeza por uma desgraça. Tampouco teria sentido não ficar contentes por algo que acabou bem. Pelo contrário, quanto mais nos desenvolvemos, mais sensíveis somos a tudo o que acontece. Mas uma coisa é ser sensível e outra, muito diferente, atuar por reação em vez de fazê-lo de acordo com uma decisão bem discernida.

A ação por reação depende do estímulo que age sobre nós, em vez de depender de nosso bom discernimento. Em consequência, estes estímulos marcam, não só nossa conduta imediata, senão que, em definitivo, traçam a senda de nossa vida. A ação que provem de nosso discernimento, em troca, depende de nosso juízo e de nossa vontade. Nosso juízo nos diz o que fazer em cada circunstância; nossa vontade é a força que concretiza nossa decisão numa conduta de acordo com esse juízo.

Mas temos que reconhecer que nosso discernimento é influenciado por nossas ideias sobre o que somos e o que podemos, o que está bem e o que está mal e uma infinidade de estímulos.

A ideia do que somos está fortemente influenciada pela cultura em que vivemos e pela educação que recebemos. Em grande medida, é uma identidade adquirida, formada por influências exteriores.

A ideia do que podemos vai-se formando junto com a do que somos. Quando crianças pode nos ser dito que temos certas possibilidades – ou todas. Depois, limitamos nosso horizonte de acordo com o que tenhamos considerado êxito ou fracasso em nossas tentativas para alcançar algum objetivo.

O certo é que não sabemos quanto podemos até que tentemos descobri-lo. Por isso, um aspecto do grau de nossa liberdade interior depende da consciência que mantenhamos da diferença entre as ideias que formamos para nós mesmos acerca do que somos e podemos e a ignorância que temos a respeito de nós mesmos. Esta consciência nos ensina que somos nós mesmos os que pomos limites ao que podemos e nos move a explorar com coragem e determinação nossas possibilidades.

Nossa liberdade interior se confirma quando somos capazes de responder de forma consequente, vez por vez, à equanimidade do juízo que vamos alcançando. O esforço para conseguir esta resposta é, em síntese, a tarefa que implica percorrer a senda do desenvolvimento espiritual.

A liberdade interior nos permite sobrepor-nos ao medo e à insegurança. Por isto, é importante concentrar nosso empenho em alcançar uma liberdade interior cada vez mais ampla e firme, mantendo o rumo de nossa vocação. Não há que temer deixar os apoios que já não nos servem; e sustentar nosso olhar interior no único apoio que para nós é permanente: a vocação sustentada pela necessidade de consciência plena. Esta vocação se faz realidade com cada passo que damos guiados pela confiança na retidão de nossa intenção e pelo sentido inerente a esta realidade maravilhosa que transcende nossa capacidade verdadeira de abarcá-la e compreendê-la.

O esquecimento

Nossa memória está carregada com a infinidade de experiências passadas que entesouramos. Mas só recordamos ativamente algumas delas; por isso não percebemos a influência que recebemos das que estão em nosso inconsciente. Apesar de nosso inconsciente ser muito importante, vamos nos ocupar somente das lembranças ativas, do que relatamos como nossa história pessoal.

A forma como percebemos os fatos é influenciada por fatores independentes desses fatos. Nossa suscetibilidade, nossos preconceitos, a maior ou menor capacidade que tenhamos de aceitar a contradição e de controlar a ânsia de satisfazer nossos desejos influem em grande medida em nossa percepção do que ocorre e do que recordamos disso.

Cada experiência produz uma reação em nós, tanto emocional como intelectual. Estas reações geralmente são automáticas e independentes do significado que os fatos possam ter. Se uma experiência nos agrada, nós a julgamos de forma positiva; se nos desagrada, nosso juízo é negativo. Como as lembranças de nossas experiências estão coloridas pelas reações que nos produziram, em muitos casos cobrem o significado do que realmente aconteceu.

Registrar o nosso presente

Por ínfima que seja ou tenha sido uma experiência, tem um conteúdo do qual podemos aprender a viver de forma deliberada para tirar proveito de nossas vivências. Para isso temos de desenvolver nossa atenção. Todos temos capacidade para atender, mas nem todos desdobramos nossa atenção da mesma maneira. O habitual é que restrinjamos nossa atenção ao que nos interessa em geral e, em particular, ao que nos interessa no momento.

Quando nosso interesse se restringe ao que só acontece a nós mesmos, não registramos a riqueza infinita de cada experiência. Para registrar nossas experiências, além de desenvolver nossa atenção temos que desenvolver nosso interesse; isto é, ampliá-lo a um contexto maior que o nosso imediato, já que o que acontece ao nosso redor é o contexto que pode dar sentido ao que ocorre a nós mesmos.

Além de ampliar nosso interesse, temos que gravar todos os momentos do dia, inclusive aqueles aos quais não demos importância. A prática do exame retrospectivo* nos ajuda a recordar tudo o que nos aconteceu e, especialmente, nos ensina a ver o precioso que é cada instante. Dessa maneira recuperamos a totalidade do que vivemos.

Recordar o passado de forma deliberada e imparcial

Assim como necessitamos alimentar o corpo para manter-nos vivos, para manter o desenvolvimento de nossa consciência necessitamos alimentá-la com o significado das experiências vividas.

O tempo de retiros e os exercícios de meditação nos permitem revisar nosso passado e compreender melhor o significado de nossas experiências. Os retiros são apropriados para revisar toda a nossa vida; os exercícios diários de meditação nos ajudam a analisar experiências isoladas. Nestes exercícios retomamos uma ou mais lembranças, suprimimos as reações associadas com elas e trazemos à luz o ocorrido, livre de nossas impressões e juízos passados.

Esquecer

Para tirar proveito do vivido necessitamos, primeiro, recuperar o passado exercitando nossa memória; depois, esquecer o incidental de nosso passado para poder extrair a ensinança que nossa vida contém.

Este esquecimento exige de nós distinguir e separar os diferentes elementos que compõem nossas experiências.

Ao adquirir a capacidade de individualizar os fatos concisos do passado não confundimos o que aconteceu com nossas reações pelo que ocorreu. Desta maneira, as experiências vividas nos oferecem um grande ensinamento porque mostram os fatos com clareza; evidenciam nossa responsabilidade pelo que estamos vivendo; revelam que a despeito das circunstâncias e dos acontecimentos, temos liberdade para escolher como reagir ante eles.

Esta liberdade nos permite orientar nosso curso dentro da corrente da vida.

Essa mesma liberdade é a base de nossa fortaleza interior. Mas, para contar plenamente com essa liberdade, necessitamos concluir as situações que deixamos inacabadas em nosso passado.

*trata-se de um exercício que faz parte do Método de Cafh e que se recomenda praticar à noite, antes de dormir.

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