Meditação: A conquista da mente

Extraído do livro “Conquista da Mente”, Eknath Easwaran ECE Editora, 1999

Tudo o que somos”, disse Buda, “é o resultado do que pensamos”. E ele poderia ter acrescentado: “E tudo o que nos tornamos é o resultado do que pensamos agora”.

Eknat Easwaran

Nada, então, pode ser mais importante do que ser capaz de escolher nossa maneira de pensar – nossos sentimentos, aspirações e desejos, – o nosso jeito de observar o mundo e a nós mesmos. O domínio da mente abre caminhos de esperanças. Isto significa que podemos reformular nossa personalidade e nossa vida, reatar relacionamentos, prosperar na estressante rotina em que vivemos e nos transformamos no tipo de pessoa que gostaríamos de ser.

Hoje o termo “meditação” está sendo usado para descrever inúmeras coisas, algumas das quais nada têm a ver com a meditação, na forma como eu a concebo. Essas técnicas podem ser relaxantes, inspiradoras, saudáveis para o corpo, mas são tão eficazes como escrever na água, no que se refere à produção de resultados permanentes e mudanças benéficas para a mente.

Existem também outros métodos antigos de meditação, que diferem do meu. Por exemplo, observar a corrente de pensamentos desfazendo-se, sem nenhuma tentativa de controlá-la. Respeito esses métodos nas mãos de um mestre iluminado, mas o resultado de uma mistura de instruções, que se origina de diferentes perspectivas, pode causar confusão.

Quando falo sobre meditação, estou me referindo a um processo dinâmico que pode ser reconhecido pelas maiores tradições espirituais do mundo: ensinar como a atenção pode fluir sem interrupção para um único foco de inspiração no interior da mente (neste caso, as palavras decoradas de um trecho inspirado) até que a mente se torne completamente absorvida e todos os pensamentos que a distraem, desapareçam.

Nesta profunda concentração, a mente se torna quieta, calma e clara. Este é o nosso estado natural. A partir do momento que estabelecemos contato com este estado saberemos, de uma vez por todas, quem nós somos e qual a razão de nossas vidas. Como diz a Bíblia: “Permaneça em silêncio, e saiba que eu sou Deus”.

Uma das maiores dificuldades em aprender a treinar a mente é, por ser tão duro, afastar-nos e ver nossos pensamentos com clareza. A mente – a mente de todo mundo – é uma fábrica que produz um vapor contínuo de pensamentos de todo os tipos: um bocado de ansiedade seguido de um forte desejo; depois outra ansiedade e um medo palpável; duas ou três recordações irrelevantes, um impulso repentino de raiva… A linha de montagem acumulada vai continuando e continuando. A maioria de nós se vê como nada mais do que o produto desses pensamentos. E é justamente aí que o perigo reside.

A fábrica da mente me faz lembras das fábricas de algodão da Índia britânica.

A cidade de Madras produziu um ótimo algodão durante séculos, mas quando foram introduzidas novas técnicas de manufatura, a produção caiu consideravelmente e nós, indianos, tínhamos que esperar uma oportunidade para comprar.

Quando o produto terminado finalmente aparecia na loja, era distribuído da seguinte forma. Em um balcão, uma pilha de algodão de ótima qualidade chamada banava; em outro balcão, ostentava uma bela pilha de produto de má qualidade, do qual havia uma variedade fascinante. Lembro-me de haver escolhido uma linda camisa que, mais tarde, quando voltou da lavanderia, ficou enrugada como um cactus.

A maioria dos produtos da nossa fábrica mental também é detrito. A razão é simples: além da ignorância, ou apoiados em princípios de alguma ingênua noção de liberdade, nós nos recusamos a supervisionar a produção. Nossa filosofia é a da livre empresa: “faça o que quiser” – É daí que surgem os detritos.

Através da minha experiência pessoal, desenvolvi um método de introduzir um controle de qualidade na minha mente. Não tenho a pretensão de dizer que o criei. Na verdade, parte de seu atrativo é que  ele aparece em todas as grandes tradições espirituais do mundo.

Primeiro, e antes de mais nada, vem a meditação, porque através da meditação podemos de fato colocar as mãos no maquinismo da mente.

O método de meditação que ensino exige que se fique sentado, imóvel, olhos fechados, e que se penetre na mente, devagar por meio de palavras extraídas de alguma passagem inspiradora que atinja o âmago do seu ser, pois quando ficamos sentado imóveis, de olhos fechados, todas as manhãs, totalmente concentrados nas palavras que personificam nossos mais elevados ideais, estamos oferecendo à nossa mente pensamentos da mais pura qualidade, para que sejam trabalhados durante o dia.

Pode ser uma prece, um poema de algum grande místico ou um trecho de escritura de qualquer religião. Um exemplo perfeito é a abertura dos Versos Gêmeos de Buda, do Dhammapada.

Quando chega a hora de se substituir a má qualidade dos pensamentos pela boa, nenhum texto poderia trazer maior benefício do que a inspiradora prece de São Francisco de Assis. Um dos motivos que torna esse treinamento tão eficaz é o fato de ele usar o mesmo maquinismo que dá à mente seu imenso poder.

Para que a meditação dê resultado, não precisamos raciocinar, refletir, questionar a respeito ou os responsabilizar pelas palavras sobre as quais estamos meditando. Na verdade, agindo assim, estaremos permitindo que a mente assuma o comando e comece a produzir o que ela quiser.

Tudo o que devemos fazer é tentar nos concentrar em uma palavra por vez e trazer a mente de volta quando ela divagar.

Para nos concentrarmos nas palavras de Buda ou de São Francisco, precisamos diminuir o movimento frenético do processo do pensamento, para que possamos prestar atenção em uma coisa de cada vez. De alguma forma, na atual civilização, adquirimos a ideia de que a mente trabalha melhor quando corre em alta velocidade… e isto não é verdade nem mesmo com as linhas de montagem de uma produção.

Uma mente veloz carece de tempo até para terminar um pensamento, não se incomodando em conferir sua qualidade. Aquietar a mente significa não só adquirir uma qualidade melhor, como também produzir algo mais bem feito. O fluir suave da corrente de pensamentos economiza uma grande quantidade de desgaste do sistema nervoso, o que significa maior vitalidade e resistência diante do estresse. Enquanto não experimentarmos, isso tudo poderá soar como um tipo de controle que nos tira a alegria de viver, mas se me permitem argumentar, a maioria dos pensamentos não é de alegria, nem é necessária.

Deixe-me apressar em esclarecer que eu não estou dizendo que devemos jogar fora nosso maquinismo mental. Venho meditando há décadas, e posso assegurar-lhes que minha mente nunca funcionou tão bem. Porém, uso-a quando quero; não é ela que me usa. Meus pensamentos só entram quando os convido. Muitos deles são penetras, sabe? Por isso, os rejeito. E as emoções negativas, como a raiva e o ressentimento, não só entram sem convite e acabam com a festa antes do tempo, como também comem toda a comida.

Controle de qualidade significa simplesmente dizer aos pensamentos, quando eles surgem: “Posso ver o seu convite?” Se eles não o tiverem, dizemos: “Desculpe, mas esta festa não é para você”. Com isso, a meditação passa a trazer de volta pensamentos de boa qualidade, repetidas vezes. À medida que sua concentração melhora, a perturbação produzida pelas distrações diminui. Passado algum tempo, nem nos damos mais conta de nossos alheamentos. A mente ficará toda absorvida nas palavras de São Francisco.

Tudo isso parece um trabalho tedioso, mas permita-me mostrar-lhes algumas das suas aplicações. Todos sabemos quanto é penoso ficar pensando em algo desagradável. Na realidade, lembrar não é o problema, mas o fato é que não conseguimos deixar de pensar a respeito. Podemos poupar-nos esse desgosto retirando da mente as recordações indesejáveis. É como brincar de Poliana: esconder-nos dos problemas e fingir que eles não existem? Talvez, se a preocupação ajudasse. Contudo, a preocupação nunca ajuda.

Se realmente precisamos pensar no passado para solucionar algum problema, pensemos nele, tiremos nossas conclusões, e pronto. Não deixemos que a mente continue a dar voltas em torno do mesmo assunto inútil. Se pudéssemos espiar pela janela da fábrica da mente, quando sentimos rancor, veríamos a linha de montagem produzindo sempre a mesma lembrança carregada de emoção: “Ele me fez aquilo em 1983, ele me fez aquilo em 1983”. Estamos lidando com algo que ocorreu no passado ou, mais provavelmente, com algum mal-entendido ao qual reagimos por falta de compreensão.

Quando continuamos a dispensar tanta atenção a um fato, dessa maneira, até uma pequena lembrança sem importância se infla como um balão cheio de hostilidade. Se pudermos retirar nossa atenção, o balão murcha, e não sobra mais nada dentro dele. Através da meditação, no entanto, ao afastarmos nossa atenção das distrações, podemos treinar nossa mente até o ponto em que nenhuma lembrança seja capaz de nos perturbar ou conduzir a atitudes compulsivas. Isto não é amnésia. Nossas recordações ainda estão registradas em nossa mente, caso precisemos delas. O que perdemos foi sua carga emocional.

A porta do passado pode abrir-se e deixar uma antiga lembrança vangloriar-se, tinindo as correntes em nossa cara e esperando que nos escondamos embaixo da escrivaninha. Mas com a mente treinada, podemos nos sentar calmamente e observar o espetáculo com infinita tolerância. Quando o espetáculo houver terminado, podemos aplaudir gentilmente e dizer: “Bom desempenho, porém agora tenho outras coisas a fazer”.

Após muitos anos de exercícios, adquirimos tal poder de comando sobre nosso processo de pensar, que se aparecer um pequeno jato de hostilidade contra alguém, basta dizer à mente: “Não”. E a hostilidade retira-se. Se o ressentimento se insinuar, você poderá dizer: “Por favor, retire-se”. E ele o fará. É por isso que, após mais de 40 anos, ainda me surpreendo todos os dias pensando: “Não há nada melhor do que a meditação”.

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