Sobre Desenvolvimento Espiritual: uma entrevista com Jorge Waxemberg

 RC – Antes de começarmos a falar sobre Cafh como um caminho espiritual, poderia explicar o que significa a palavra Cafh?

JW – Cafh é uma palavra muito antiga que possui vários significados. Uma definição é “o esforço da alma para alcançar a união com Deus”. Também significa autodomínio que esse esforço implica.

RC – Como descreveria os princípios de Cafh?

JW – Os princípios de Cafh são muito simples. Estão baseados na premissa de que cada indivíduo possui um grande potencial. Qualquer buscador tem a possibilidade de encontrar respostas às perguntas básicas: “Quem sou?”, “De onde venho?”, “Para onde vou?”. Em Cafh, acreditamos que as respostas a estas perguntas não se encontram em declarações, mas na maneira como desenvolvemos as nossas possibilidades como seres humanos integrais. Muitas pessoas baseiam suas vidas em conceitos ideais. Mas os conceitos são válidos, somente, se puderem ser verificados, através da experiência e da realização individuais.

RC – Cafh crê que a religião tem um papel no processo de desenvolvimento?

JW – Sim, Cafh reconhece o valor das religiões. Em qualquer lugar onde se encontrem pessoas trabalhando para expandir a sua própria visão de vida, sabemos que estão no caminho do descobrimento da unidade subjacente de todos os princípios religiosos. É bom ter em mente, não obstante, que o mistério da relação de uma pessoa com Deus é uma revelação interior, na vastidão de sua consciência, sem a intermediação de ideias e preconceitos. Outra ideia básica de Cafh é que  o desenvolvimento espiritual deve levar o ser à expansão do amor e da participação. Nossa realização pessoal está caracterizada por uma progressiva união com todos os seres humanos, o mundo e a realidade como um todo. Isto não é uma conquista isolada nem privada, apesar de que, à primeira vista, poderia parecer. 

RC – Cafh tem um objetivo único?

JW – Se eu tivesse que extrair algum objetivo único em Cafh, diria que é o seguinte: cada ser humano desenvolver suas melhores possibilidades e ser capaz de realizá-las. Creio que é importante enfatizar que Cafh é um caminho de desenvolvimento, um caminho que se revela interiormente. Não se pode realmente “escolher” uma vocação, mas é possível descobri-la. Você começa a ver a sua vida como um processo de desenvolvimento e se dá conta de que este processo é inerente à nossa condição de seres humanos na terra. Cafh possui um compromisso de não fazer proselitismo, devido ao fato de que o nosso trabalho e o nosso caminho não são amplamente conhecidos. Não que ocultemos o que fazemos, mas o aspecto “exterior” de Cafh é principalmente um trabalho para estimular o desenvolvimento espiritual. Ou seja, tem lugar num nível individual, pessoa a pessoa. Por isso mesmo, Cafh não é uma instituição. Cada um dos membros de Cafh realiza um trabalho interior em sua vida. Outros se desenvolverão mediante outros meios, aqueles mais adequados às suas características particulares.

RC – O que Cafh proporciona para alcançar os seus objetivos?

JW – Cafh oferece um método de vida, um conjunto de práticas e disciplinas que ajudam o desenvolvimento. Este método é flexível, adapta-se às características dos que o seguem, e inclui práticas que desenvolvem a capacidade de pensar, discernir e sentir. Há, por exemplo, exercícios de meditação. E cada pessoa recebe orientação individual.

RC – Tenho escutado a palavra “método” relacionada a outros caminhos espirituais. Por que se considera ter um “método” tão importante?

JW – Um método é necessário porque ajuda o praticante a transformar experiências pessoais em sábios ensinamentos. Ajuda-nos a aprender com a vida. O método expande a nossa visão da realidade. Permite-nos compreender mais profundamente quem e o que somos. Estes são os fundamentos pelos quais aprendemos a amar e a participar. 

RC – Há requisitos rigorosos para quem deseja participar de Cafh?

JW – Deve desejar desenvolver-se como ser humano. Deve também estar disposto ao esforço e ao compromisso implícitos na concretização desta aspiração. Estes são, aliás, pré-requisitos necessários para se alcançar qualquer coisa que realmente se deseje. 

RC – Atualmente, existe um esforço para harmonizar a ciência com as doutrinas espirituais. Como percebe o papel da ciência em conexão com os objetivos de Cafh?

JW – As verdadeiras ideias espirituais não estão em contradição com o conhecimento e a prova científicos. O que é dado como “verdade” tem que ser evidente e você tem que ser capaz de corroborá-lo com a experiência. Qualquer outra afirmação é somente uma teoria – que pode ou não servir como um ponto de apoio provisório até ser comprovada ou rechaçada pelos avanços, no conhecimento experimental. A ciência moderna nos tem ensinado a importância de verificar o conhecimento. Na vida espiritual aplicamos o método científico, verificando nossos credos em nossa experiência individual.

RC – Hoje em dia, na mídia, alguns temas são destaque. A sexualidade, por exemplo, é um tópico de grande interesse. Observamos também uma preocupação crescente com o meio ambiente e fala-se muito de ecologia. Outros temas muito comentados são a situação financeira e os problemas econômicos. Cafh, como o senhor expressou, é um caminho espiritual. Mas que posição Cafh assumiria a respeito destes aspectos sociais?

JW – Mas que amplo rol de perguntas! Tentarei respondê-las, na ordem em que foram formuladas. Podemos começar pela sexualidade. Primeiramente, deixe-me esclarecer que Cafh não assume uma “posição” sobre qualquer assunto, visto que isto significaria uma abordagem rígida da vida, enquanto cremos que a vida se encontra em um processo constante de evolução. Porém, como indivíduos, temos a responsabilidade de pensar e escolher como lidar com os aspectos que afetam e influenciam todos os seres humanos em nossa sociedade, em um dado momento da história. Cada indivíduo é, afinal, uma espécie de vínculo para o qual convergem todos os aspectos da vida. A sexualidade é parte da nossa natureza. Ainda que o elemento sexo influencie todas as áreas da vida, não somos somente sexo. Centrar a vida no sexo é uma atitude tão desequilibrada como condená-lo ou ignorá-lo. À medida que começamos a descobrir que somos seres humanos integrais, nossa natureza sexual assume a sua verdadeira dimensão e a energia sexual é canalizada construtivamente. Quando conseguimos ter uma ideia mais clara a respeito de nossa identidade como seres humanos, nenhum aspecto parcial de nossa vida assume o primeiro lugar. Cada parte de nós é capaz de se harmonizar com o todo. O outro tema abordado é a ecologia. A ideia da ecologia representa um grande adiantamento no desenvolvimento humano, porque significa que estamos desenvolvendo consciência da unidade da vida na terra. Este é um profundo princípio espiritual que está relacionado com o conceito de participação. A vida de um ser humano está estreitamente relacionada com todos e com tudo o que existe. A consciência ecológica nos ajuda a adquirir o que denomino uma “individualidade participante”. Ao expandir o sentimento de participação, estamos trabalhando diretamente para a obtenção da consciência cósmica. O resultado tem de ser o respeito com a Terra.

RC – E sobre a situação econômica?

JW – Isto é algo que devemos levar em conta quando tentamos entender as deficiências da nossa sociedade. Estamos acostumados a atribuir a culpa pelos nossos problemas a sistema e governos, sem perceber que o nosso problema real é a indiferença e o egoísmo no coração de cada ser humano, em nossos próprios corações. Deste ponto de vista, todos somos responsáveis pelo sofrimento que existe. Acredito que, se nós não acumulássemos mais do que aquilo de que precisamos e usássemos bem o que temos, teríamos o suficiente para todos, mesmo em nossa situação atual.

RC – Cafh tem uma resposta específica para a deterioração do meio ambiente?

JW – A resposta básica é nunca esquecer que a Terra é o nosso lar que este lar proporciona um lugar para cada um de nós e ninguém tem o direito de ocupar mais de um lugar. Onde quer que exista alguém ocupando mais espaço do que aquele que lhe pertence, veremos que ele transforma uso em abuso. Toda vez que alguém contamina o ambiente, está envenenando o alimento, a água e o ar de que esta mesma pessoa necessita para permanecer viva. Quando jogamos fora o nosso lixo, devemos colocá-lo em algum lugar dentro do nosso “lar”. É óbvio que, para manter o planeta em condições habitáveis, devemos estar dispostos a pagar o preço de discernir o que usar e como usar.

RC – Os problemas ambientais atuais seriam na verdade devidos a um único motivo: não estabelecermos conexões.

JW – Não conectamos em nossas mentes o nosso comportamento e o seus efeitos. Jamais pensaríamos em adicionar contaminantes em um copo de água que vamos beber ou em um prato de comida que vamos comer. Mas, porque não vemos, imediatamente, os efeitos de nosso estilo de vida, parece-nos bem continuar vivendo do mesmo modo que temos vivido até agora. Atuamos como uma pessoa que joga seu lixo na propriedade do vizinho – não nos importa o que fazemos aos demais, contanto que não tenhamos que sofrer agora. Só recentemente começamos a nos dar conta de que o que acreditávamos ser a propriedade do vizinho é, na verdade, a nossa. Todos respiramos o mesmo ar, bebemos a mesma água e habitamos o mesmo espaço.

RC – Há tanto materialismo no estilo de vida do homem de hoje, que parece estar levando os jovens a uma visão do mundo mais secular do que espiritual. Que conselho daria aos jovens de hoje para aprofundar sua espiritualidade?

JW – Creio que a dificuldade, talvez, seja confundir espiritualidade com um tipo de ascetismo que nega a vida. Isto não combina com a realidade. Ser espiritual não significa dar as costas ao mundo ou negar reconhecer valores estéticos ou criativos. Não existe desenvolvimento que não seja integral. Nenhum aspecto da vida é superficial. Mas as pessoas podem viver, e frequentemente vivem, a vida tão superficialmente que acabam enfrentando um choque muito duro e doloroso. Então se perguntam como chegaram até ali. Seria melhor reformular esta pergunta agora mesmo e dizer: Como cheguei até aqui? Para onde vou? Quem realmente sou? Não devemos temer fazer-nos estas perguntas, ainda que não saibamos respondê-las de imediato. Fazer-se perguntas a si mesmo é a condição básica para o descobrimento e o aprendizado. Diria, não só aos jovens, mas a todos – inclusive eu mesmo – que não devemos nos permitir passar pela vida ignorando a questão do significado da vida. Se nos permitirmos isto, seguramente nos chocaremos dolorosamente contra a realidade, mais cedo ou mais tarde. E certamente envolveremos outros em nosso choque. Minha vida é o que eu faço dela. Se realmente desejo me desenvolver, serei capaz disto – em, praticamente, qualquer ambiente ou circunstância – se este anseio é a ideia que dirige meus esforços e decisões.

Extraído da Revista “Seeds of Unfolding” – Vol. X, Nº 2 – Cafh Foundation, New York, NY

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