Entrevista com Ana Cristina Flor – 1ª Parte

É espantoso constatar a velocidade dos inventos da humanidade, cada vez menores, mais rápidos e eficientes. Nos últimos 50 anos, a ciência avançou mais do que em todos os anos anteriores da civilização. Chegamos em Marte, computadores já realizam diagnósticos médicos, serviços jurídicos e escrevem artigos de jornais, as entregas são feitas por drones, os carros são autônomos e as casas estão ficando inteligentes, com a internet das coisas. 

É fato que nossa relação com a tecnologia tem sido cada vez mais intensa e fluida no dia a dia. Entretanto, é fundamental abrir a perspectiva para compreender também as afetações e a influência nefasta que ela pode nos causar.

Para compreender melhor essa relação entre e o ser e a tecnologia, vamos conversar com Ana Cristina Flor, diretora de Cafh, um caminho espiritual que busca a liberdade interior por meio do conhecimento de nós mesmos e da participação consciente com todos os seres humanos, o mundo e a vida.

RC – Tudo o que fazemos, online e offline, deixa vestígios digitais. Cada compra com nossos cartões, cada busca que digitamos no Google, cada lugar que visitamos com o celular no bolso e cada curtida na foto dos amigos, tudo é armazenado. Por muito tempo, não estava claro como esses dados poderiam ser usados, exceto, talvez, ver anúncios de hotéis após pesquisar sobre viagens. Mas hoje sabemos que uso das informações que geramos podem ir muito além, como ficou evidenciado no escândalo da Cambridge Analytica, empresa britânica que fazia mineração de dados para campanhas eleitorais, que esquadrinhou cada americano com mais de 5 mil conexões, influenciando sobremaneira as eleições daquele país. O tema chegou ao cinema. E no filme “Dilema das Redes” (The Social Dilemma, 2020), bem no início, aparece uma citação curiosa de Sófocles que diz: “Nada tão grandioso entra na vida dos mortais sem uma maldição”. A Senhora acredita que o progresso e a catástrofe são anverso e reverso da mesma moeda? Ou seja, que toda nova tecnologia produz o seu acidente? Como a senhora analisa o papel das redes sociais, para o bem e para o mal, na vida das pessoas?

ACF  Bem, como você dizia, todo descobrimento, todo avanço da humanidade outorga um poder aos seres humanos e, como qualquer poder, pode ser usado em um sentido favorável ou negativo. Assim como agora vemos a evolução das redes, o ser humano alcançou o poder da energia atômica que pode curar enfermidades ou destruir o planeta. Todo avanço tem riscos, parece que não há como avançar ser riscos. Em relação ao tema das redes, da Internet, se aplica o mesmo princípio. Vemos na pandemia a possibilidade de nos conectarmos, que foi a salvação para muitas pessoas, como, por exemplo, doentes que estavam isolados puderam ver seus entes queridos, pelo menos através de uma câmera. As crianças estudando pelo ensino on line e outros tantos exemplos dos benefícios do uso da tecnologia…

Entretanto, o grande risco como expressado no filme mencionado é o vício do uso da tecnologia; a perda da medida, pois hoje me parece impossível nos subtrairmos a participar da Rede. Mesmo desconectados, podemos ser monitorados pelos satélites, quer dizer, finalmente isso se tornou algo que não podemos escapar. Mas podemos regular em que medida usamos a tecnologia, e com que propósito. Temos de descobrir esse equilíbrio. A tecnologia pode ser uma fuga ou um elemento de desenvolvimento. Tudo dependerá do quanto estivermos conscientes de como a utilizamos.

 

 

RC – Como canalizar o poder das redes digitais para gerar novas interações, novas consciências, mais profundas e transcendentais?

ACF  – Bem, creio que tudo depende de para quê a usamos. Nós em Cafh, por exemplo, utilizando a interconexão que a tecnologia nos dá, geramos um espaço de interação virtual que chamamos de Sala de Orações. Este é um espaço de contato e de oração em que podemos convocar membros de Cafh, pessoas de todo o mundo para participar. E este espaço tem se revelado um apoio, um sustento muito significativos para todos nós. Um singelo exemplo de como usar a tecnologia como veículo positivo para a interação humana, para gerar contatos entre nós.

Desta forma, poder criar espaços temáticos, grupos de interesse – como fazemos em Cafh com o diálogo e com a meditação –, são outros exemplos de que é possível criar até mesmo uma sensação de conexão entre as pessoas, aproveitando os meios virtuais, tornando possível que a tecnologia acompanhe o processo de expansão da consciência.

Quanto ao aspecto de que as redes conhecem tudo a nosso respeito (o algoritmo que as maneja, na verdade) parece-nos que o autoconhecimento é a chave para não sermos manipulados e podermos decidir sobre esse fato, que pode eventualmente ocorrer. Temos de descobrir se queremos usar com consciência a tecnologia a nosso dispor.

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