Tecnologia e Espiritualidade

Tecnologia e Espiritualidade

Ana Cristina Flor, diretora espiritual de Cafh, analisa as relações entre tecnologia e espiritualidade e seus impactos no desenvolvimento da humanidade.

Boa Tarde, meu nome é Dulce Otero e estou aqui pela nossa Revista Cafh, a força de uma ideia do Brasil. Hoje, vamos tratar da relação entre espiritualidade e tecnologia, com nossa entrevistada, Ana Cristina Flor, Diretora Espiritual de Cafh. Bem- vinda, nossa querida Diretora, Ana Cristina. É uma honra e uma alegria poder estar aqui.

Ana Cristina Flor – Boa tarde, Dulce. Um prazer estar aqui com vocês nesta tarde, e, bem, muito obrigada pelo convite; vai ser um lindo momento compartilhar com vocês, tratando desse importante tema da relação entre espiritualidade e tecnologia a que nos convida.

Revista Cafh – É espantoso constatar a velocidade dos inventos da humanidade, cada vez menores, mais rápidos e eficientes.
Nos últimos 50 anos, a ciência avançou mais do que em todos os anos anteriores da civilização.
Chegamos em Marte, computadores já realizam diagnósticos médicos, serviços jurídicos e escrevem artigos de jornais, as entregas são feitas por drones, os carros são autônomos e as casas estão ficando inteligentes, com a internet das coisas.
É fato que nossa relação com a tecnologia tem sido cada vez mais intensa e fluida no dia a dia.
Entretanto, é fundamental abrir a perspectiva para compreender também as afetações e a influência nefasta que ela pode nos causar.
Para compreender melhor essa relação entre e o ser e a tecnologia, vamos conversar com Ana Cristina Flor, diretora de Cafh, um caminho espiritual que busca a liberdade interior por meio do conhecimento de nós mesmos e da participação consciente com todos os seres humanos, o mundo e a vida. Tudo o que fazemos, online e off-line, deixa vestígios digitais. Cada compra com nossos cartões, cada busca que digitamos no Google, cada lugar que visitamos com o celular no bolso e cada curtida na foto dos amigos, tudo é armazenado. Por muito tempo, não estava claro como esses dados poderiam ser usados, exceto, talvez, ver anúncios de hotéis após pesquisar sobre viagens. Mas hoje sabemos que uso das informações que geramos podem ir muito além, como ficou evidenciado no escândalo da Cambridge Analytica, empresa britânica que fazia mineração de dados para campanhas eleitorais, que esquadrinhou cada americano com mais de 5 mil conexões, influenciando sobremaneira as eleições daquele país. O tema chegou ao cinema. E no filme “Dilema das Redes” (The Social Dilema, 2020), bem no início, aparece uma citação curiosa de Sófocles que diz: “Nada tão grandioso entra na vida dos mortais sem uma maldição”.
A Senhora acredita que o progresso e a catástrofe são anverso e reverso da mesma moeda? Ou seja, que toda nova tecnologia produz o seu acidente? Como a senhora analisa o papel das redes sociais, para o bem e para o mal, na vida das pessoas?

Ana Cristina Flor – Toda descoberta, todo progresso feito pela humanidade gera um poder, na realidade, outorga um poder aos seres humanos. E, como qualquer poder, pode ser utilizado no sentido positivo, ou seja, favorável, como no sentido negativo, assim como vemos nesse momento a evolução das redes, de tudo o que se realiza pela internet. Também o ser humano alcançou o poder de produzir a energia atômica que pode ser usada para curar doenças, mas também para destruir o planeta inteiro. Acredito que seja inerente à evolução que cada avanço sempre traga riscos. Parece que não é possível avançar sem nenhum risco e, em relação ao tema das redes e a tudo que fazemos, às vezes, porque não há outra maneira de fazer que não seja através da internet, creio que se aplica o mesmo princípio, ou seja, se tomarmos como exemplo a pandemia, podemos ver que foi possível escolher estar conectado, dispor dos meios de comunicação foi a salvação para muitas pessoas, inclusive, para alguém que estava internado em um hospital, isolado sem poder ver seus parentes ou sem ter nenhum contato podia, ao menos, vê-los através de uma câmera. As crianças podiam participar da aula através de celular ou de um computador. Esses são alguns exemplos de benefícios que nos trouxe a tecnologia.
Por outro lado, considero que os riscos, aliás, o grande risco é, como foi citado no filme, é o vício provocado pelo uso da tecnologia.

Acredito que hoje é impossível escapa da rede porque, embora estejamos totalmente desconectados e não tenhamos nenhum telefone, nem nada, ainda assim, podemos ser monitorados por satélites. Quer dizer que o monitoramento se tornou algo difícil de se livrar, mas podemos nos livrar e, de certa forma regular, nos perguntando qual o propósito do uso da tecnologia. A tecnologia pode significar uma fuga ou pode significar um meio, como disse antes, para nos conectarmos, para estudar, para desenvolver outro tipo de interesse. Acredito que existe um equilíbrio que precisamos encontrar se quisermos usar, conscientemente, esses recursos disponíveis.

Revista Cafh – Como canalizar o poder das redes digitais para gerar novas interações, novas consciências, mais profundas e transcendentais?

Ana Cristina Flor – Bem, creio que tudo depende de para quê a usamos. Nós em Cafh, por exemplo, utilizando a interconexão que a tecnologia nos dá, geramos um espaço de interação virtual que chamamos de Sala de Orações. Este é um espaço de contato e de oração em que podemos convocar membros de Cafh, pessoas de todo o mundo para participar. E este espaço tem se revelado um apoio, um sustento muito significativo para todos nós. Um singelo exemplo de como usar a tecnologia como veículo positivo para a interação humana, para gerar contatos entre nós. Desta forma, poder criar espaços temáticos, grupos de interesse – como fazemos em Cafh com o diálogo e com a meditação –, são outros exemplos de que é possível criar até mesmo uma sensação de conexão entre as pessoas, aproveitando os meios virtuais, tornando possível que a tecnologia acompanhe o processo de expansão da consciência.
Quanto ao aspecto de que as redes conhecem tudo a nosso respeito (o algoritmo que as maneja, na verdade) parece-nos que o autoconhecimento é a chave para não sermos manipulados e podermos decidir sobre esse fato, que pode eventualmente ocorrer. Temos de descobrir se queremos usar com consciência a tecnologia a nossa disposição.
As consequências do uso “descompromissado” do smartphone é como oferecer pronto um vasto questionário psicológico, preenchido constantemente, consciente e inconscientemente. Assim seriam nossas pegadas no mundo (nossos pensamentos, atos e sentimentos)? Então, eu iria perguntar, mas você já antecipou. Como usar com liberdade e responsabilidade as tecnologias que estão a nossa disposição?

Ana Cristina Flor – Creio que, realmente o smartphone é um artigo difícil de prescindir, mas voltando à questão de quanta consciência podemos gerar no uso, o que fazemos com esses recursos, creio que o smartphone é um excelente termômetro dessa consciência. Por exemplo, quanto somos dependentes e quanto somos donos realmente? Por exemplo, podemos nos desconectar e ficar em um momento de reunião familiar com o telefone desligado e não estar olhando e indo olhar para ele toda vez que entra alguma mensagem, soa algum alarme?
Então isso seria como um sensor: quanto podemos preservar nossos espaços de intimidade, nossos espaços relacionais sem a interferência do celular. Se sabemos preservar esses espaços, creio que seja um indicador de que somos, realmente, capazes de utilizá-lo como recurso valioso e não como algo que finalmente nos aliena, ou atrapalha a nossa vida.
Creio que sejam pequenos exercícios uteis, como um teste que pode ser bom para dizer a si mesmo: sou capaz de passar um dia com o telefone desligado e sair a caminhar, passear pela natureza ou estar numa conversa com parentes queridos, com amigos, sem a presença quase onipresente, uma redundância, do telefone interferindo. Creio que isso são pequenos bipes para percebermos o quanto somos dependentes ou qual o nível de autonomia que temos, como disse, com quanta consciência ou quanta liberdade podemos usar ou com quanta responsabilidade?

Ana Cristina Flor – Acredito que não podemos pensar que exista um mundo onde podemos nos excluir totalmente da tecnologia. Isso não é possível, é quase como viver inadaptado de forma alguma. Mas acho que a questão passa pela medida. Por quanto e como uso e para quê? Uso para preencher o tempo? Bom, posso fazer isso, mas tenho que ter consciência que estou fazendo isso, que estou me dando essa possibilidade também. Não seria favorável é que isso funcione de forma inconsciente. Nós precisamos estar conscientes do grau do uso ou dependência que estamos gerando. Creio que isso é um ponto importante para um uso saudável.

Revista Cafh – Como Cafh utiliza ou pode utilizar as tecnologias para disseminar sua doutrina, como previsto inclusive pelo Fundador, em uma visão antecipatória?

Ana Cristina Flor – Como você disse, o fundador de Cafh, Santiago Bovisio, já no ano 1960, anunciava que a ensinança de Cafh estaria publicada na imprensa mundial, nos cinemas, nos aparelhos de televisão, naquela época a televisão estava recém aparecendo e os celulares de então eram mais ou menos ficção científica . Então, isso nos dá uma ideia da visão de futuro que ele tinha e como a tecnologia seria um veículo para divulgar as ensinanças de Cafh.
Creio que, hoje, a internet é um espaço que, poderíamos dizer, seja virtualmente infinito de conteúdos. Então, por que não aproveitarmos esse gigantesco depósito, repleto de saberes e de informação para transmitir esse conhecimento que para nós é essencial, é fundamental? que aponta para o mais elevado do ser humano, para as possibilidades mais excelsas que um ser humano pode ter?
Então, desde já, acredito a tecnologia como de fato em Cafh, já a utilizamos através de nossos sites da web, dos canais, de nossas redes sociais, de um aplicativo que desenvolvemos. também nos permite colocar neste grande espaço, que é a internet, toda a riqueza do nosso conhecimento, de nossa tradição e, até da riqueza atualizada que os mesmos membros de Cafh vão produzindo a partir de suas experiências na vida espiritual.
Dessa forma, penso que é realmente uma oportunidade e que temos que aproveitá-la como uma forma, também, de estar a serviço da humanidade através desse conhecimento. Não só o conhecimento, como também a possibilidade de aprofundar a participação, tanto no que é conhecimento, quanto no que prática, método, todas as ferramentas práticas para o trabalho espiritual.

Revista Cafh – Como evitar cair no abismo da vida arquetípica dos avatares, na superficialidade das redes digitais, no desejo de estar sempre a par de tudo, 24 horas por dia conectados?

Ana Cristina Flor – Acredito que a pandemia evidenciou o quanto os seres humanos precisamos uns dos outros.
Creio que a grande prova que estamos vivendo isso, é justamente o distanciamento social, a impossibilidade de compartilhar os espaços, e não só o compartilhamento virtual do entorno, senão conviver face a face com os nossos pares. Isso comprova que, realmente, os seres humanos são seres, por natureza, sociais. Seres cooperativos que nos apoiamos muito e dependemos muito dessa interação com o nosso entorno, com quem, habitualmente, nos relacionamos.
A tecnologia tem permitido um paliativo , claro, a conviver de uma medida com uma situação que sequer imaginamos e que sem tecnologia teria sido muito pior, ou seja, essa situação que provocou o aumento da ansiedade, do pânico e, em muitas outras situações anímicas, possivelmente teria sido muito mais grave se não houvesse a possibilidade de fazer contato através de uma tela. Isso por um lado. Realmente, o desenvolvimento da tecnologia em um momento como este de pandemia veio para trazer uma contribuição mais positiva do que negativa, no meu ponto de vista.
Claro que quando isso se torna uma alienação, como vimos dizendo, deixa de ser positivo, já não constrói, mas, ao contrário, nos isola cada vez mais. No caso das crianças e adolescentes, eu acredito que é talvez a parte mais delicada de tudo isso porque é evidente que são os mais vulneráveis em toda a nossa sociedade, não é? Talvez eles não tenham desenvolvido os critérios e a capacidade de discernir entre quais são os limites desejáveis para isso? E esse é um grande desafio para os pais, para os que, realmente, os acompanham. Eu entendo que é algo forte, uma grande exigência porque, creio eu, que isso faz com que seja necessário que os pais sejam muito mais criativos, significa dizer, um desafio importante porque os pais já estão sobrecarregados, atarefados com muitas outras coisas, certo? Esse é talvez o ponto mais crítico: como conduzir essa questão em relação à criança e ao adolescente? Creio que aí estamos, nesse caminho.

Revista Cafh – Como lhe parece que podemos lidar com a transformação tecnológica no espaço de trabalho, mantendo, de alguma forma, o equilíbrio ou os valores essenciais nas relações interpessoais?

Ana Cristina Flor – Também no âmbito laboral, a tecnologia produz transformações que são positivas e negativas ao mesmo tempo.
Viu-se que o fato de que as pessoas possam trabalhar em seus lares, nos quais foi possível em um grande número de trabalho, não todos por certo, oferece vantagens, como por exemplo, a escolha de não ter que se deslocar, não perder tempo no transporte, na mobilização, ter um pouco mais flexibilidade de horários, fato de ter mais presença no lar, enfim, alguns benefícios. Por outro lado, também, há desvantagens nisto, porque de alguma forma o trabalho invade a casa, quer dizer, é como algo que estava fora e vem para dentro e, muitas vezes, também se mostra invasivo se não conseguimos esse equilíbrio-estou usando a palavra equilíbrio porque é a chave- se não conseguimos equilibrar o tempo através de nossa rotina, de nossa disciplina pessoal para delimitá-lo. Delimitar qual é o tempo de trabalho e um tempo para descansar ou para estar em família, quer dizer… Digo, porque escutei muitas pessoas que, de repente, estavam trabalhando em sua casa muito mais porque não havia nenhum limite explícito nisso. Esse é um desafio como adequamos, como temos que encontrar novas formas de trabalho, se isto se prolonga, se isto se mantém, então teremos que criar outros hábitos, outra rotina diferente, se isso se prolonga por muito tempo. Não é a mesma coisa que sair de casa para ir trabalhar em um ambiente completamente diferente e não ir a parte alguma e seguir em nossa casa trabalhando. Então, isso implica em uma reacomodação de nosso tempo, de nossos horários, até de nosso próprio espaço porque, no lugar, às vezes, eu convivo com outras pessoas e tenho que pausar o uso do espaço, e dos recursos da casa. Creio que isso é algo que a pandemia nos está obrigando.
Por outro lado, algo que é uma desvantagem é quando as pessoas tiveram pouco desenvolvimento no aspecto tecnológico, isso lhes custa muito e quanto maior a idade, mais difícil, obviamente, fazer essa transição quer dizer, ficam ressabiados uma vez que a tecnologia evolui muito mais rápido, que, às vezes, nossa capacidade de aprender tudo isso para poder estar em sintonia e usá-lo. Eu creio que isso também nos leva a desenvolver algo que nunca foi tão necessário como agora que é a capacidade de aprender permanentemente, quer dizer, já não podemos ficar na zona de conforto do conhecido. É como se sempre estivéssemos desafiados a aprender mais, aprender algo novo, incorporar algo novo, isso de forma permanente. Isso também é uma mudança em nossa mentalidade. Qualquer um de nós pensava que estudava, ia para a universidade e, depois, já trabalhava. E já havia passado o tempo de estudar. (sabia tudo) Agora o tempo de estudar não passa nunca, ou seja, é algo que também tem que entrar na equação de nossa vida. Que há um tempo em que sempre estaremos aprendendo algo. Às vezes algo que nos agrada, às vezes algo de que realmente necessitamos. E, bom, isso também me parece uma real acomodação que teremos que fazer nesses momentos.

Revista Cafh – A senhora acredita que os computadores e a tecnologia tenderiam, potencialmente, a nos libertar da tirania do “dinheiro”, do material, e liberar a humanidade para uma vida espiritual, produtiva e mais feliz?

Ana Cristina Flor – Não sei se vejo uma correspondência direta entre o computador e um grau maior de liberdade. Creio que, em geral, houve muitas tarefas que fazíamos de maneira muito mais manual foi possível automatizá-las: desde os alimentos que comemos, até a limpeza do lugar. Muitas tarefas que podem ser feitas graças aos avanços científicos. De maneira que demandam muito menos tempo e energia. Creio que isso, sim, representa uma oportunidade de dispor do tempo para outras coisas.
Mas, paradoxalmente, se escuta (eu escuto e me passa também … risos) que cada vez temos menos tempo: porque assim como se simplificam certas tarefas, também aparecem outras tarefas em nossa vida.
Eu creio que a vontade de nos dedicar à vida espiritual é uma autodeterminação. Ou seja, não vai haver nunca se se esperam as condições ideais, possivelmente, nunca vai acontecer. Somos quem ordenamos as prioridades da nossa vida, como esse exemplo que tenho visto muitas vezes, de primeiro colocar as pedras grandes, depois as médias e, depois, as pequenas.
Em nosso caso, pelo menos para os que escolhemos esse caminho de Cafh, quem está seguindo um caminho espiritual, tratamos de colocar essa prioridade. O espiritual, vale a pena aclarar, não é algo separado do resto. Em realidade, o espiritual, podemos dizer que é uma atitude frente à vida. Eu não necessito de um tempo especial para ser espiritual ou para ter uma vida espiritual. O que necessito é viver espiritualmente tudo que faço, desde fazer uma comida, até meu trabalho qualquer que seja o trabalho que eu faça, até minhas relações de família.
Claro que para conseguir isso, para espiritualizar a vida, em Cafh, temos um método, (como você mencionou) temos ferramentas que nos permitem gerar as habilidades e os critérios para poder espiritualizar, quer dizer, necessitamos de um espaço de meditação, de detenção, onde possamos tomar contato com nós mesmos, com o que nos sucede, com as decisões importantes de nossa vida. Chamamos esse espaço de meditação, ou espaço de detenção, ou oração. Temos espaços de estudo, falando justamente que estamos em permanente aprendizagem, temos espaço de estudo onde também alimentamos nossa mente com as ideias espirituais ou com bons livros. Temos espaços de relação e, claro, trabalhamos e fazemos tudo que um ser humano tem que fazer. Por isso, volto a insistir, creio que não há um tempo específico para a vida espiritual, há que se reordenar a própria vida, por certo, criando esse equilíbrio do qual falávamos, que é um equilíbrio dinâmico, não é algo estático, senão que é algo que vai se adaptando, surgindo com as necessidades e com os momentos, que tenha esse enfoque ou seja, o enfoque posto na espiritualidade, no trabalho sobre a consciência. Creio que isso é um pouco a tônica do que levamos adiante em Cafh. E novamente, a tecnologia pode ser um fator de ajuda, mas o determinante é a nossa atitude, nossa escolha, para onde dirigimos a nossa vida e nossos esforços.

Revista Cafh – Em sua opinião, hoje, o que seria “viver conscientemente”? quer dizer, que desafios e possibilidades foram agregados nessas quase duas décadas que se passaram?

Ana Cristina Flor – Talvez, agregando ao que estivemos falamos até agora, em relação a como trabalhar em nossa própria vida para ter prioridades e para ter um enfoque orientado à consciência justamente, através de um método e de umas determinadas práticas, creio que hoje há algo que é fundamental: nossa interação com os demais. Creio que algo em que temos que focar no momento atual, é a forma como nos relacionamos e trabalhamos entre os seres humanos. Por que penso isso? Porque é evidente que há uma grande falência na humanidade para conviver em espaços onde se expressam as diferenças.
Podemos observar como bem mais a sociedade tende a polarizar-se e cada um a fortalecer-se em uma postura muito mais do que em buscar o encontro, a buscar o diálogo, a buscar enriquecer a própria opinião com uma opinião diversa…e sequer entendê-la, entender porque alguém pensa diferente.
Creio que esse é um campo que, por certo sempre esteve presente mas, talvez, hoje cobre maior relevância, que nós em Cafh, como você sabe, trabalhamos em grupos. Isso tem muito valor porque podemos dizer que é um espaço , um laboratório onde nos pomos em campo, vemos a necessidade de desenvolver a capacidade de escutar e compreender o que há por trás de alguém que tem uma visão diferente : quais são seus sentidos, seus fundamentos e encontrar o que temos em comum e compreender como podemos construir a partir disso, Creio que isso é fundamental realmente se queremos desenvolver não só uma vida individual consciente, mas também uma vida grupal consciente, especialmente para poder gerar na humanidade a capacidade desse encontro que hoje é tão vital para que a humanidade siga evoluindo. Então, penso que esse poderia ser, não posso dizer que é o novo, porque não é novo, mas talvez hoje tenha muito mais relevância no quadro atual em que vive a humanidade, estamos observando o que sucede: essa necessidade de integração, de cooperação.
Que seria tão desejável a nível global não só para resolver os grandes problemas, como a pandemia, mas que é necessária até numa relação entre duas pessoas; poder gerar essa capacidade, esse ambiente de inter-relação, de integração. Isso é talvez a meu ver o novo, não o novo propriamente , mas sim o que se revela como uma necessidade atualmente.

Revista Cafh – Há distintas visões do futuro, as utópicas e as distópicas; há visões mais racionais e outras (de cientistas, escritores, …inclusive Cafh) que dizem que veremos a predominância das correntes socioecológicas, tecnológicas e místicas no novo mundo. A senhora concorda com esse insight? Seria essa uma previsão similar à da bíblia que diz que “o mundo será governado por santos e sábios”?

Ana Cristina Flor – Sempre me parece difícil opinar sobre o futuro(risos) porque realmente, como podemos observar em nossa realidade atual, passa tanta coisa imprevisível em nossa capacidade…que supera toda a nossa capacidade de imaginação. Mas, eu creio que a humanidade se constrói através de uma combinação desses dois elementos, dessas duas visões – a distopia e a utopia, não?
Creio que a humanidade vai se construindo e vai se mesclando um pouco desses dois extremos: a realidade nunca é tão maravilhosa nem tão terrível, sempre é uma combinação, como dizemos, um jogo de luzes e sombras que se vão encontrando.
Segundo nossas ensinanças, de acordo com o que geramos como nosso conhecimento, como tradição, neste momento, deveríamos estar nos aproximando da integração desses extremos; é como se, nesse momento, a humanidade estivesse no cume desses opostos, no ápice dessa polarização, eu creio que possivelmente veremos bem talvez nós mesmas não cheguemos a ver porque a evolução ocorre, digamos, em um horizonte de tempo muito grande, que é muito maior do que o tempo de vida de um ser humano. Talvez não nos toque ver mas, creio que sim, já há como sinais, pode-se dizer, dessa aproximação, dessa integração que volta a unir o ser humano que está por assim dizer afastado, que se vê a si mesmo como isolado da natureza, inclusive enfrentado por ela, o ser humano volta a se acercar, a integrar-se como um ser a mais do nosso planeta, sim, da terra, não como alguém que a está dominando mas como parte dela. Claro que isso ainda é bem incipiente, mas talvez, como digo, nós não cheguemos a ver o fruto evidente disso, mas sim vemos o sinal. Talvez a gente jovem seja um dos indicadores dessa visão; em geral, tende muito mais a sentir esse vínculo, a cultivá-lo e a gerar movimentos que nos levam a essa integração com a natureza. A nível social, já se observam algumas, embora ainda muito pequenas, iniciativas de vida comunitária, de espaços de colaboração, onde as pessoas se integram em um âmbito não competitivo, mas ao contrário, colaborativo…quer dizer, há sinais.
O que passa é que, lamentavelmente, por outro lado, vemos muito do “outro”, segue havendo muita crueldade, muita separatividade, em pleno século XXI, conflito racial forte; isto é, às vezes ao ver isso, podemos desesperançar-nos, mas eu não me desalento com isso e tenho confiança na capacidade quase ilimitada de o ser humano de seguir adiante. Penso que, óbvio, quanto mais pessoas e grupos nos dediquemos ao desenvolvimento da consciência, mais facilmente veremos esse novo mundo. E nisso estamos (risos) nós … junto a muitas outras pessoas e outros grupos.

Revista Cafh – Gostaria de comentar algo, antes que encerremos, que não tenha sido contemplado nessa entrevista?

Ana Cristina Flor – Gostaria, talvez, de enfatizar, no último que acabo de dizer, em geral, a necessidade de alimentarmos uma atitude esperançosa em relação a humanidade, de não nos deixarmos invadir pelo que nos chega fortemente pelos meios de comunicação que têm geralmente o maior foco no negativo que sucede à humanidade.
Assim que há que se fazer um esforço, creio que um esforço deliberado por conservar essa esperança, por ter confiança na capacidade de o ser humano, e creio que isso faz falta nesse momento e muito; ter confiança e esperança na evolução, realmente em que a humanidade está indo em direção a um processo de aprendizagem, de expansão de evolução e união. Isso é o que eu gostaria de remarcar.

Revista Cafh – Encerramos com essa mensagem, muito obrigada.
Ana Cristina Flor, muitíssimo obrigada por sua participação, foi uma alegria, como já disse uma honra… E há tantas coisas para pensar, refletir e também para compartilhar. Muito obrigada!
E até próxima, esperemos que a Sra. volte a estar conosco num futuro próximo, que tenhamos um tempinho seu para fazer outro encontro. Muito obrigada

Ana Cristina Flor – Obrigada, Dulce, prazer estar com vocês e, bem, claro, seguiremos compartilhando em outros momentos essa interessante possibilidade, …de construir diferentes possibilidades.
Muito obrigada.

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