Economia Providencial: um caminho para a harmonização social

Economia Providencial: um caminho para a harmonização social

A Economia Providencial é ocupar apenas um lugar no mundo e no usufruto da riqueza, e não mais, transformando a própria energia em fonte de riqueza para si mesmo e para todos.

Um princípio basilar de Cafh é o direito de cada indivíduo exercer a sua liberdade de pensar, sentir e decidir sobre sua vida sem a interferência de outros. Tal princípio considera que o desenvolvimento humano depende do exercício da liberdade, que nos permite escolher assumir compromissos conosco mesmo, com os demais e com Deus.

Nesse sentido, Cafh propõe o conceito de Economia Providencial, que localiza o indivíduo e as suas decisões num todo maior, tanto espiritual quanto material, ensinando-nos a assumir o que nos cabe realizar, respeitando o lugar dos demais, agindo de forma a gerar bem-estar comum, harmonia com o meio e o desenvolvimento da responsabilidade.

Conforme veremos neste artigo, viver a Economia Providencial é ocupar apenas um lugar no mundo e no usufruto da riqueza, e não mais, transformando a própria energia em fonte de riqueza para si mesmo e para todos.

Conceito e possíveis campos de aplicação

Em discurso na ONU em 16/10/2010, José Luis Kutscherauer explicou que Economia Providencial “é o uso sábio dos recursos disponíveis, tanto no âmbito pessoal como social, para o adiantamento pessoal e o bem de todos os seres humanos”. Ou seja, não se trata apenas de gestão de recursos materiais, como é o caso da Economia Doméstica ou mesmo da própria Ciência Econômica. O conceito de Economia Providencial vai muito além, englobando o bom uso de todos os recursos que o ser humano é capaz de gerar: materiais, mentais, anímicos e espirituais, referindo-se à produção, à multiplicação e à reserva ou poupança dos recursos disponíveis.

“No que se refere ao uso ou produção, podemos destacar três aspectos:
· A finalidade que se persegue com o uso dos recursos;
· O uso eficiente e mínimo para cumprir o que foi proposto; e
· A relação entre finalidades, bens empregados e objetivos alcançados para estabelecer se é justificável ou não o uso dos recursos, no caso concreto.

No que se refere à multiplicação, podemos distinguir três aspectos:
· O uso que contempla a renovação dos bens empregados; · As práticas que aumentam o nível de recursos disponíveis; · Os estudos que avaliam os objetivos que se perseguem.

No campo da reserva de recursos disponíveis, a poupança para necessidades futuras, pessoais e coletivas é importante pois, além da poupança de recursos financeiros, aqui também se colocam os recursos anímicos, espirituais e do uso do tempo, que se alcançam com uma vida pautada na temperança, no silêncio e na participação.

Níveis de abrangência

Além desses campos e aspectos, é importante destacar os níveis de abrangência da prática da Economia Providencial indicados pelas Ensinanças e pela Doutrina de Cafh, desde a prática individual no âmbito da família, e socialmente.

No plano individual, a prática da Economia Providencial nos leva a “trabalhar para aclarar nossa localização na vida, procurando ocupar um lugar e não dois”.
Explicando isso melhor, significa que devemos:

· Simplificar nossas necessidades, até conhecer quais são as reais;
· Não exigir dos demais o que nós nem sequer damos;
· Não requerer nem acreditar que temos direitos que outros não têm;
· Sentir-nos devedores e não credores da humanidade;
· Deixar de sentir-nos o centro dos acontecimentos; e
· Trabalhar para descobrir nossa riqueza em nós mesmos e não em despojar outros do que possuem *.

No âmbito familiar, a Economia Providencial estimula a prática da disciplina de poupar recursos materiais, quando “se está sadio, se é jovem e se tem emprego” para não se transformar em carga social para os demais e para auxiliar quem necessita. Cabe esclarecer, entretanto, que não se deve confundir poupança com especulação financeira, visto que esta última “rouba à sociedade os bens necessários para o esforço produtivo”.

Quanto ao último nível de abrangência, a Economia Providencial “há de ser praticada socialmente”, o que implica encontrar espaços para a sua prática em equipe e em âmbitos cada vez mais abrangentes a serem construídos por todos que assim desejem realizar essa experiência. Este é um campo que há ainda muito a se construir.

Em síntese, a Economia Providencial nos ensina que viver segundo os seus princípios é ter responsabilidade com o todo, em todas as dimensões da existência (econômica, social, política, religiosa, pessoal), colocando os recursos que recebemos da vida (materiais, mentais, anímicos e espirituais) a serviço do bem comum, fazendo-nos perceber “que nossa felicidade é incompleta sem a felicidade de todos”.

Um caminho para a harmonização social

No âmbito da Economia Providencial, o indivíduo não existe isolado nem é necessariamente um mero produto do meio. Segundo Cafh, o ser é visto na sua interação com o meio, podendo, por decisão própria, expandir a sua consciência acerca dessa interação e de sua individualidade.

Tanto o meio quanto o indivíduo estão em processo de transformação e em interação, esteja ele consciente ou não disso. E, ao dar-se conta de que faz parte do todo, o indivíduo, gradualmente, vai percebendo que ir de encontro ao bem comum, que orientar-se apenas pelos seus desejos hedonistas e de posse e que buscar prevalecer sobre os demais produz efeitos danosos sobre ele próprio e sobre o meio, e não colabora para a harmonização social.

A harmonização social depende do esforço contínuo do indivíduo, de hábitos novos assentados na não posse, que se disseminam pela sociedade. Um único indivíduo pode gerar processos de transformação para além de seu círculo pessoal. Grupos de indivíduos podem gerar transformações ainda mais amplas, manifestas sob uma base do respeito à liberdade daqueles que, de forma diversa, escolhem seguir vivendo de acordo com as práticas que consideram válidas, sejam elas quais forem.

Em Cafh, temos como postulado que o ser humano tem consciência – percepção inteligente de si mesmo e de seu campo de ação – e vontade – capacidade de propor-se objetivos e de realizá-los. Por tais características, considera-se que as possibilidades de desenvolvimento do ser humano são inumeráveis. Assim, essa visão abrangente de “ser humano” faz com que a própria relação que Cafh estabelece entre cultura espiritual e conhecimento humano seja inclusiva, pautando-se numa perspectiva de integralidade.

Não há espiritual e material, nem mesmo indivíduo e contexto, nem cultura geral e cultura espiritual. A cultura espiritual não desliga o homem da cultura geral, já que forma parte dela. E isso faz com que, na relação entre cultura espiritual e o conhecimento das Ciências Sociais, Cafh nos recomende: “nem desdenheis dar às almas as ciências sociais, já que a renúncia é a Ciência Social por excelência”. Desta forma, o enfoque da vida espiritual em Cafh é necessariamente integral, pois não sendo assim, “aprofundaria a ignorância e a aflição humanas, em vez de aliviá-las”. **

Em síntese, a Economia Providencial não é uma utopia, é a dimensão econômica de um processo importante e impactante, que reflete a liberdade e a responsabilidade que temos no uso dos recursos materiais que recebemos da vida. Desta forma, liberdade e responsabilidade econômica podem ser pensadas de maneira mais espiritualizada se orientadas pela lógica da Economia Providencial, e não simplesmente pela lógica econômica habitual, pautada no ganho pessoal, na ação independente, na predação dos recursos ambientais e sociais e na concorrência, que não colaboram, pelo contrário, prejudicam, a tão almejada harmonização social.

Por Neide César Vargas

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