Revolução maquínica: os impactos da tecnologia no mundo do trabalho e no desenvolvimento humano

Revolução maquínica: os impactos da tecnologia no mundo do trabalho e no desenvolvimento humano

No atual contexto de consolidação da inteligência artificial, da robótica, dos Big Data e da computação em nuvem, a Revista Cafh conversou com o engenheiro Rodrigo Carneiro sobre os impactos da Indústria 4.0 na vida em sociedade e no desenvolvimento espiritual dos indivíduos.

A incorporação da robótica avançada, dos sistemas de conexão máquina-máquina, da Internet das Coisas e dos sensores e atuadores utilizados nesses equipamentos possibilita que máquinas “conversem” entre si ao longo das operações industriais. Para isso ocorrer, são criadas fábricas inteligentes, conectadas e preparadas para se autogerenciar com a ajuda de inteligência artificial e de outros recursos específicos.

Um exemplo de aplicação desse novo modelo industrial é o Projeto FlatFish, desenvolvido pelo Senai Cimatec, que consiste na criação de um veículo autônomo submarino com a função de realizar inspeções visuais em 3D de oleodutos em águas profundas. Dotado de inteligência artificial embarcada com recurso de navegação através de visão computacional, o Flatfish replaneja continuamente sua missão com base nos sensores e falhas apresentadas, retornando automaticamente à sua estação submarina assim que a missão é concluída para transmitir os dados coletados para a superfície sem a dependência de infraestrutura adicional especial ou navio de apoio.

Com a capacidade de ser lançado e recuperado diretamente de uma plataforma ou navio, ou residir em uma estação submarina, o robô reduz a necessidade de pessoal técnico, de embarcações de apoio, diminuindo também os riscos ambientais, econômicos e humanos, gerando uma economia significativa dos custos de operação.

Para compreender melhor os benefícios e os riscos desse processo revolucionário de desenvolvimento tecnológico, a Revista Cafh conversou com o líder técnico do projeto Flatfish, o engenheiro Rodrigo Carneiro, sobre o funcionamento das novas tecnologias e os seus impactos no mundo do trabalho e no desenvolvimento do ser. Acompanhe abaixo a entrevista.

RC: Como funciona a inteligência artificial embarcada em robôs autônomos para que, sozinhos, possam executar a sua missão?

Rodrigo: A técnica que tem sido adotada no mundo da robótica autônoma e que venho pesquisando no doutorado é a Aprendizagem Por Reforço Profundo (ou Deep Reinforcement Learning), muito utilizada também na área de jogos. No aprendizado por reforço profundo, o sistema de inteligência artificial (máquina) utiliza o processo de tentativa e erro para encontrar uma solução para um determinado problema. Para que a máquina faça o que o programador deseja, a inteligência artificial recebe recompensas ou penalidades pelas ações que executa, tendo como objetivo maximizar a recompensa total. Esse é um sistema de erro e acerto similar aos processos humanos, que tem se demonstrado ser o futuro da inteligência artificial.

RC: E como esse modelo funciona?

Rodrigo: Embora seja o cientista de dados quem define a política de recompensa – isto é, as regras do jogo – ele não dá ao modelo nenhuma dica ou sugestão de como resolver o problema. Cabe ao modelo descobrir sozinho como executar a tarefa para maximizar a recompensa, começando com testes totalmente aleatórios e terminando com táticas sofisticadas. Uma aplicação potencial do aprendizado por reforço são os veículos autônomos. Como um desenvolvedor é incapaz de prever todas as situações futuras da estrada, é necessário treinar o modelo com um sistema de penalidades e recompensas em um ambiente variado para que a inteligência artificial possa ampliar a experiência que possui e, assim, aprender a conduzir um veículo sem que seja explicitamente programada para isso. Claro que essa primeira etapa de aprendizado é realizada em um simulador, ou um ambiente controlado, tendo em vista que ações aleatórias demais poderiam machucar pessoas, danificar estruturas ou o próprio veículo.

RC: Segundo a Harvard Business Review, estima-se que, à medida que as máquinas participam cada vez mais das indústrias, inevitavelmente veremos papéis de qualificação intermediária desaparecendo. Todavia, há quem defenda que o avanço tecnológico cria novos empregos e funcionalidades que podem compensar os trabalhos e funções que foram abolidos. Como você avalia os impactos da tecnologia na substituição da mão de obra humana?

Rodrigo: Eu acredito que os dois lados sempre estarão presentes. No entanto, eu enxergo a tecnologia, em especial a robótica, como uma forma de automatizar processos repetitivos aumentando, assim, a produtividade e a assertividade. Essas profissões estão, sim, ameaçadas e uma qualificação passa a ser necessária para que as pessoas que ocupam esses papéis possam desempenhar novas funções na empresa e na sociedade. Entretanto, esses novos ofícios tendem a aumentar a qualidade de vida da pessoa em seu ambiente de trabalho. Os colaboradores deixam de fazer tarefas muitas vezes arriscadas e passam a trabalhar em ambientes mais seguros e controlados. Eu não consigo enxergar a tecnologia como uma vilã que está chegando e retirando empregos das pessoas. Ela aparece para melhorar a qualidade de vida, mas é claro que mudanças são necessárias para que todos se adequem à nova realidade. De forma geral, eu realmente acredito que, em pouco tempo, muitas profissões irão desaparecer assim como algumas já estão desaparecendo ou já desapareceram.

RC: A BBC News Brasil publicou uma matéria explicando um novo fenômeno em que a geração atual está demonstrando um QI (Quociente de inteligência) mais baixo do que a anterior. A publicação traz uma afirmação do neurocientista francês Michel Desmurget, segundo a qual o QI diminui proporcionalmente ao uso da TV e do videogame. Entretanto, muitas pessoas trabalham com ferramentas digitais. Softwares e soluções como a internet vieram para facilitar nossos trabalhos, interações à longa distância e cotidiano também. A crítica feita pelo neurocientista é relacionada à falta de “exercitação” do cérebro das gerações atuais. Na sua opinião, até que ponto a tecnologia que facilita as nossas vidas, prejudica a maturação cerebral?

Rodrigo: Eu acredito no equilíbrio entre tudo. Exposição demais não só a telas,como também a diversas ferramentas que utiizamos nos deixa, sim, mais preguiçosos no que diz respeito ao uso do cérebro. Eu lembro que antigamente não esquecíamos os telefones ou os compromissos que tínhamos e hoje em dia, praticamente, nem sabemos mais o próprio número, pois a agenda do celular é muito eficiente para isso. No entanto, o fato de não termos que nos preocupar com certas tarefas, permite que nossos cérebros tenham “espaço” para outros conhecimentos e aprendizados de outras habilidades. Eu penso que a evolução tecnológica, se utilizada da forma correta, nos permite focar em assuntos muito mais importantes para o desenvolvimento pessoal e coletivo da humanidade.

RC: Temos visto que os avanços tecnológicos têm criado um fosso entre aqueles que têm acesso à tecnologia e aqueles destituídos de condições para se capacitar e adquirir ferramentas tecnológicas. Como a robótica, a inteligência artificial e a indústria 4.0 podem melhorar a vida das pessoas, sobretudo daqueles que estão à margem dos processos produtivos?

Rodrigo: Parto do princípio de que é função das instituições de ensino capacitarem as pessoas para essa nova fase em que estamos vivendo. Muitas iniciativas como cursos online, educação à distância, aulas no metaverso, entre outras, são válidas nesse momento. Tenho muito orgulho de trabalhar em uma instituição que diariamente busca a atualização de seus cursos para permitir que toda essa nova informação esteja disponível para aqueles que a procuram. Esse processo é bem crítico e depende que cada um esteja disposto a aprender novas ferramentas, e, infelizmente, hoje em dia, aqueles que não buscam se capacitar e se atualizar se colocarão em posições difíceis para serem absorvidos dentro da nova cadeia produtiva.

RC: Lidar com robôs o levou a alguma percepção diferente sobre o ser humano?

Rodrigo: Lidar com robôs, principalmente os autônomos, exige que sempre nos façamos a seguinte pergunta: “Como um ser humano resolveria esse problema?”, o que nos faz refletir bastante sobre nós mesmos. Acredito que isso nos permite entender os comportamentos mais lógicos do ser humano. Além disso, muitos estudos atuais estão indo além e tentando, de alguma forma, colocar consciência nos robôs, o que no momento podemos dizer apenas que são relações diretas entre causa e efeito programadas ou adquiridas através de algoritmos de inferência. Infelizmente, não temos como saber se um dia será possível essa programação de uma consciência tendo em vista que nós mesmos ainda não conseguimos entender exatamente como ela funciona. Mas cabe observar que a empresa Consequentional Robotics (http://consequentialrobotics.com/), no Reino Unido, criou um robô de companhia, com o intuito de agir como um animal de estimação e auxiliar pessoas que necessitem de um pet, mas não possam ter. Esses robôs tentam exprimir formas de emoção física e inteligência social através da interação com seres humanos graças à enorme quantidade de sensores colocados para que eles sejam capazes de realizar essa interação com qualidade.

RC: Como o desenvolvimento espiritual – a expansão da consciência – pode conviver com o avanço tecnológico da sociedade atual?

Rodrigo: Nunca acreditei que o avanço tecnológico fosse atrapalhar o desenvolvimento espiritual. Na minha opinião, ele está ao alcance de todos, assim como a informação também está à disposição em diversas áreas. O avanço tecnológico tem permitido que toda a informação consiga alcançar mais pessoas, fazendo com que o conhecimento que antes era restrito a um pequeno grupo, agora seja acessível a todos. Eu acredito que nesse momento o que é mais difícil é filtrar a quantidade de informação que recebemos. De qualquer forma, hoje é muito mais fácil encontrar um caminho ou ascética que mais se alinha com sua personalidade. Percebo que hoje a humanidade reconhece a necessidade do autoconhecimento, e ver que muitas pessoas acabam apresentando de forma muito aberta suas rotinas pela internet, incentivam que outros também busquem o seu próprio desenvolvimento.

RC: De que modo a espiritualidade se integra ao seu trabalho, ao seu dia a dia?

Rodrigo: Sempre busquei integrar a espiritualidade na minha vida, eu nunca separei as coisas. Em minha opinião, vida é vida e tudo deve estar integrado. Hoje em dia a prática espiritual tem, inclusive, estado muito mais forte. Atuo em uma posição de liderança, e cuidar das relações é muito importante, diferentes pensamentos e opiniões sempre aparecem no trabalho, e lidar com tudo isso é um aprendizado. Ter a oportunidade de crescer no meio da diversidade é uma oportunidade enorme de integração entre a vida prática e os valores espirituais que tanto buscamos.

Rodrigo Fonseca Carneiro

Graduado em Engenharia Eletrônica e de Computação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Mestre em Engenharia Elétrica com ênfase em Controle, Automação e Robótica pela COPPE – UFRJ.

Atualmente, atua como líder técnico no Senai Cimatec em Salvador/BA

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