Cafh e a mística das águas que se encontram

Cafh e a mística das águas que se encontram

Nosso encontro com Cafh aconteceu em 1980. Deparamos-nos com uma atitude nova, e, ao que nos pareceu deste então, uma consequência, talvez até uma síntese de todo caminho místico, como visto nos artigos anteriores.

No primeiro artigo, interpretamos como a mística que acompanhou a evolução do ser humano e sua emergência da situação de silêncio para o despertar da mente racional acabou sendo acompanhada pela mística da convivência com os elementos da natureza, dos quais escolhemos a água para nos dar um caminho de interpretação. A partir daí, verificamos que as sociedades africanas que saíam do silêncio original fizeram vizinhança e convivência com o divino como se fosse parte da família. A relação com a pureza da água das fontes originais fez emergir uma espécie de mística da convivência direta em religiões que conviviam com o divino com muita proximidade.

Entretanto, sair da África custou ao ser humano construir uma convivência com ambientes e situações diferentes daquelas originais, e daí fez com que as comunidades elaborassem novas formas de relação com a natureza e, consequentemente, com novas atitudes místicas. Assim, aqueles humanos que migraram para o Oriente optaram, segundo nossa percepção da História, pela busca contínua das condições originais perdidas por meio da purificação.

Ao observar esta relação, percebemos uma busca da pureza original da água pela infusão e eliminação de impurezas; portanto, uma atitude de busca da essência no interior de si mesmo. Como um paralelo, poderíamos dizer que as práticas místicas orientais parecem perseguir essa busca pela essência interior focando na purificação das impurezas da personalidade e da vida para que o ser humano recupere a profunda essência perdida.

Já os que saíram da África para o Ocidente optaram por uma remediação, pelo acréscimo de elementos externos à água de maneira que fosse possível eliminar, como que por cura, os elementos perigosos que existiam neste ambiente novo, em particular, a filtragem ou procedimentos de destilação e/ou fermentação que pudesse alterar a água para situações melhores: uma ação externa de cura ou remediação, tal como a compaixão, a ideia de salvação e outras que tenham esse sentido de prática de modificação curativa das impurezas.

Nossa experiência em Cafh nos levou a perceber que a mística de que participamos é uma mística do reencontro. Uma prática de trabalho espiritual individual, mas obtido em participação, que valida e valoriza toda a experiência mística do ser humano procurando reconhecer a importância das diferentes formas de realizar o caminho espiritual, buscando reunir todos os caminhos espirituais.

Uma mística, aliás, que procura tirar o foco dos elementos da magia ou das manifestações mediúnicas e sobrenaturais para focar na mística que existe no mergulho interior e na prática da vida, na relação entre a vida e o esforço para viver e a possível união com o divino a partir da concreta experiência que realizamos no dia a dia. Realizações estas obtidas muitas vezes pelo que se chama “morte mística”, uma prática de renúncia contínua do que denominamos personalidade corrente e de suas preferências e gostos, levando o ser para o vazio do silêncio íntimo, para o encontro com uma prática própria da alma em sua vocação (CAFH, 2001).
Citando o 2o Diretor Espiritual de Cafh, Jorge Waxemberg:
“Os temas da mística que abordamos nesse trabalho, então, não se referem particularmente à relação do fiel com seu Deus, mas partem da minha relação contigo, continuam com a minha relação com todos, até chegarem à minha relação com a totalidade do que é” (WAXEMBERG, 2014).

Sendo assim, a Mística de Cafh contempla e procura reunir todas as perspectivas de caminhos místicos da humanidade, não por algum tipo de teoria ou doutrina inclusiva, mas pela prática de um amor expansivo que considera a totalidade daquilo que é em toda existência. Portanto, sem negar, mas na verdade buscando agregar e dar todo valor a toda experiência mística humana, a Mística de Cafh objetiva que cada ser humano encontre em si a mística da relação profunda entre a sua existência e a totalidade daquilo que é. Isto permite o entendimento das relações e o desenvolvimento do que chamamos “estados de consciência”.

O desenvolvimento do “estado de consciência” ocorre em nós através de nossas inter-relações. No início da vida o desenvolvimento das inter-relações é rápido. Mas se torna mais difícil na medida em que passamos a entender o que somos, a marcarmos posição no mundo e no contexto em que vivemos, e passamos a crer que sabemos o que necessitamos para viver com certo proveito.

Para prosseguir no desenvolvimento de nossa mística, e, consequentemente, no crescimento do nosso estado de consciência, necessitamos trabalhar deliberadamente nesta direção. É esse trabalho que constitui a vida espiritual.

Buscamos pela prática de vida focada no desenvolvimento do trabalho espiritual unir nossa consciência com a consciência que sustenta o universo. Em outras palavras, buscamos a Deus por meio de uma prática de amor expansivo que a tudo busca incluir.

A Mística do Coração que Cafh estimula não tem como objetivo atingir o êxtase, ou alcançar experiências extraordinárias. O que se persegue é o estado ordinário de consciência, que seja mais amplo que aquele que temos, ou seja, um processo contínuo que não termina em uma experiência mística.

Assim, a Mística do Coração pretende incluir contextos cada vez maiores e horizontes de consciência cada vez mais amplos por meio da renúncia de nossa personalidade adquirida, sustentando-se sobre nossa humildade para realizar, na medida de nossa participação na vida de todas as almas, a “totalidade do que é” (WAXEMBERG, 2014).

Essa mística compreende que a Renúncia é a lei da vida: “que não ter nada — superar o afã de possuir — é riqueza; que não ganhar nada — superar o atuar de forma interesseira, a ambição e o afã de impor-nos — é serenidade; que não ser nada — superar o afã de aparecer — é alcançar nossa identidade” (CAFH, 2005). Enfim, realizar a união com o Divino é unir-se a todas as almas.

Encerramos este ensaio com o mapa conceitual das religiões do mundo, feito por Pimenta, R e Kama-hari, S (2012). Onde estaria Cafh neste mapa conceitual? Seria uma consequência de algumas das linhas de evolução apresentadas? É uma reunião em outro estado de consciência daquilo presente em todas as religiões tradicionais? Ou será que se trata de um elemento para outro tipo de análise? Deixaremos esta questão final de nossa série em aberto, pedindo a cada leitor que realizem suas próprias construções e conclusões.

Estar engajado na construção destes artigos e neste exercício sobre como entender a mística da humanidade foi um desafio e, ao mesmo tempo, uma oportunidade de aprofundamento e organização das reflexões: um exercício de interpretação viável para expressar como vemos a Mística do Coração que Cafh realiza. Concluindo, só podemos agradecer aos leitores e a todos os Mestres que estão sempre conduzindo a senda de desenvolvimento espiritual humano.

Sendo assim, muito obrigado e até sempre!

Por Alfredo Matta

 

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