Público X Privado no mundo Virtual

Público X Privado no mundo virtual

Ainda existem limites entre esses domínios na vida em sociedade? 

Lembro-me de que um dos filmes que mais me marcou teve seu título traduzido para “A Vida dos Outros”. Passado na Alemanha Oriental, pré-queda do muro de Berlim, o filme retrata duramente a invasão da privacidade individual sob a vigência do regime comunista, até mesmo para os seus colaboradores e simpatizantes.

Esse é um tema recorrente em livros e filmes que focam os regimes ditatoriais, sejam de esquerda ou de direita, que restringem a liberdade dos indivíduos, invadindo seus lares com câmeras e microfones ocultos, sem ética alguma.

Eis-nos agora em situação oposta. Na maior parte do mundo democrático, as pessoas estão oferecendo, de mão beijada, a sua própria intimidade e a privacidade dos seus lares e das famílias, através das redes sociais. Onde foi parar o cuidado com os entes queridos, com os momentos mais íntimos e com as relações mais profundas?

Cenas de mau gosto e vulgaridade – mesmo para espíritos liberais, pouco afeitos a falsos moralismos – invadem as redes sociais digitais, e ai de quem deixar os olhos passearem desavisadamente… Em algum momento, suas pupilas serão invadidas por imagens que só deveriam ser vistas por quem as criou e delas participam.

Quando foi que a internet se instalou na alma de cada um de nós? E onde está o contrato de cessão de direitos privados do cotidiano alheio para o ilustre público espectador?

Como se fosse pouco o esmaecimento dos limites entre as esferas pública e privada da vida dos outros e da nossa própria, ainda existe a dependência de milhões de pessoas – físicas e jurídicas – às redes digitais, evidenciada, há poucos dias, pelo apagão do Facebook e seus coligados, especialmente do WhatsApp, que parece ter se inserido de vez no cardápio das necessidades básicas da nossa sobrevivência, sugerindo, quem sabe, uma revisão na pirâmide de Maslow.

E isso sem nos esquecermos de mencionar, é claro, a confusão entre o público e o privado no que tange à vida profissional, já que durante a pandemia, o escritório se mudou para dentro das nossas casas, muitas vezes, passando por cima dos horários e dos locais estabelecidos, convertendo o sagrado espaço do lar em um onipotente e onisciente home office, que não leva muito em conta horários de refeições, descanso, sábados, domingos ou feriados.

Cabe-nos então perguntar: aonde nos levam essas reflexões? Com certeza, nos levam a repensar a forma como encaramos a vida e as nossas relações, o respeito que temos para com a própria vida e a dos demais e a medida como usamos o nosso tempo, nossa energia e nosso discernimento.

A necessidade de preservação do espaço interior, do nosso recanto privado mais profundo – seja por práticas como a meditação, oração, detenção, exercícios respiratórios e hábitos saudáveis que ajudam o equilíbrio orgânico, seja pela definição de horário para o trabalho intelectual e para as tarefas domésticas, para estudo e para leitura espiritual –, nos induz a dimensões mais elevadas de nosso ser, facilitando o estabelecimento de limites entre o público e o privado.

Os hábitos que criamos com exercícios sem logro (Ascética da Renúncia) e com espiritualidade sem dogmas (Mística do Coração) nos conduzem mais suavemente à serenidade e à paz interior. Ao trocar a atitude de posse e de competição, de exibicionismo e superficialidade (exteriorizada, por exemplo, em posts incontrolados  nessas redes citadas), pelo cuidado verbal e gestual, pelo respeito ao espaço do outro e ao meio ambiente e pela participação colaborativa com tudo e todos ao nosso redor, ampliamos o nosso estado de consciência e aprendemos a discernir os espaços que compõem a nossa vida íntima e a nossa relação com a sociedade.

 

A hierarquia de necessidades de Maslow é uma teoria da Psicologia proposta por Abraham Maslow em seu artigo “A teoria da motivação humana”, publicado em 1943 na revista Psychological ReviewMaslow define cinco categorias de necessidades humanas: fisiológicas, segurança, afeto, estima e as de autorrealização. Esta teoria é representada por uma pirâmide onde na base se encontram as necessidades mais básicas, pois estas estão diretamente relacionadas com a sobrevivência. Segundo Maslow, um indivíduo só sente o desejo de satisfazer a necessidade de um próximo estágio se a do nível anterior estiver sanada, portanto, a motivação para realizar estes desejos vem de forma gradual. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hierarquia_de_necessidades_de_Maslow.


Dulce Otero | Revista Cafh

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